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Estigma dos opioides ainda afeta os cuidados paliativos

Seminário debateu resistência dos médicos em prescrever drogas que aliviam a dor mas podem causar dependência Na quinta-feira passada, assisti ao seminário “Cuidados paliativos e a dimensão do possível”, organizado pelos médicos Daniel Tabak e Claudia Burlá, na Academia Nacional de Medicina. Decidi escrever sobre três palestras com as quais muitos vão se identificar, uma vez que envolvem questões com que nos deparamos ao lidar com uma doença grave ou o fim de vida de um ente querido. Começo pela apresentação “É possível cuidar da dor sem medo dos opioides?”, feita pelo médico Henrique Parsons, professor do departamento de cuidados paliativos da Universidade de Ottawa, que tratou de um assunto delicado: a opiofobia, isto é, a resistência dos profissionais de saúde em prescrever esse tipo de substância. Seu primeiro slide mostrava um “SIM” em letras garrafais, mas com ressalvas: “é preciso formação técnica adequada, indicação precisa, disponibilidade das drogas, avaliações constantes e a..

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Seminário debateu resistência dos médicos em prescrever drogas que aliviam a dor mas podem causar dependência Na quinta-feira passada, assisti ao seminário “Cuidados paliativos e a dimensão do possível”, organizado pelos médicos Daniel Tabak e Claudia Burlá, na Academia Nacional de Medicina. Decidi escrever sobre três palestras com as quais muitos vão se identificar, uma vez que envolvem questões com que nos deparamos ao lidar com uma doença grave ou o fim de vida de um ente querido. Começo pela apresentação “É possível cuidar da dor sem medo dos opioides?”, feita pelo médico Henrique Parsons, professor do departamento de cuidados paliativos da Universidade de Ottawa, que tratou de um assunto delicado: a opiofobia, isto é, a resistência dos profissionais de saúde em prescrever esse tipo de substância. Seu primeiro slide mostrava um “SIM” em letras garrafais, mas com ressalvas: “é preciso formação técnica adequada, indicação precisa, disponibilidade das drogas, avaliações constantes e a educação de pacientes e familiares”, detalhou.
Utilização de opioides no manejo da dor: médicos resistem a prescrever drogas que podem causar dependência
Truthseeker08 por Pixabay
Os opioides são drogas naturais, semissintéticas e sintéticas utilizadas para o manejo da dor em casos de câncer, falências orgânicas (cardíaca, renal, hepática), doenças neurodegenerativas, demências e esclerose múltipla. No entanto, seu uso indiscriminado provocou a chamada crise dos opioides, que ceifou cerca de 500 mil vidas norte-americanas nas primeiras décadas do século XXI, deixando a comunidade médica de cabelos em pé – recomendo a série “Dopesick” que mostra, sem retoques, como a farmacêutica Purdue Pharma promoveu o analgésico oxicodona através de agressivas campanhas de marketing.
“O estigma ainda é muito forte. Há receio em relação à prescrição por causa dos efeitos colaterais, do risco de intoxicação e adição, mas uma dose baixa de morfina pode ser mais segura que outras drogas. Ela não faz parte necessariamente do fim da vida, e sim do manejo de sintomas a serem tratados”, explicou Parsons.
Os efeitos colaterais podem ser pesados, envolvendo problemas de neurotoxicidade como delirium, mioclonias (espasmos) e sedação, além de constipação, náusea, vômitos e hipopneia (interrupção da respiração). “O monitoramento é fundamental e, no começo, é necessário ver o paciente com frequência, para checar se as doses estão corretas. Também é preciso ser realista em relação às expectativas: a dor zero não é real”, disse o médico.
“Como cuidar do luto dos que duraram?” foi o tema da psicóloga Erika Pallotino, criadora do Instituto Entrelaços: “luto não é um evento pós-morte. Ele começa no diagnóstico, passa pelo tratamento, pelos cuidados de fim de vida, pelo óbito e pós-óbito. Em todas essas etapas, uma parte nossa morre. Mas a história da doença não pode ser maior que a história da vida”, enfatizou. Sobre o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, comemorado em 8 de outubro, lembrou que o tema “Curando corações e comunidades” (“Healing hearts and communities”) é uma referência às perdas que a pandemia provocou:
“Eventos globais aumentaram a carga de luto de famílias e provedores de saúde, a necessidade de curar une humanos do mundo todo. Para cada morto, há nove enlutados, o que significa que há 6 milhões de pessoas nesta situação no Brasil. Mais de 130 mil crianças perderam seus cuidadores, entre pais e avós. As mortes causadas pela Covid demandam políticas públicas sobre o luto”.
A juíza de direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Maria Aglaé Tedesco Vilardo, doutora em bioética, ética aplicada e saúde coletiva, discorreu sobre os limites e possibilidades da autonomia do indivíduo. E foi enfática ao mostrar como a legislação protege o direito ao livre arbítrio dos pacientes. De acordo com a Constituição, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; pelo Código Civil, “os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”; enquanto o Estatuto da Pessoa Idosa prevê “o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável”. Até o Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece: “o consentimento prévio, livre e esclarecido é indispensável para tratamento, procedimento, hospitalização e pesquisa científica, mesmo em situação de curatela, assegurada a participação, no maior grau possível”. Nosso corpo, nossas regras – tenham isso em mente.

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