LUCAS BOMBANA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tendo completado recentemente um ano da listagem na Bolsa de Valores de Nova York (Nyse), o Nubank vê suas ações afundarem cerca de 60% após sua estreia em dezembro de 2021.
Desde a abertura de capital (IPO, na sigla em inglês), em 8 de dezembro, quando as ações foram avaliadas em US$ 9 (R$ 48,06), a queda é de aproximadamente 56,7% –os papéis fecharam na sexta-feira (16) cotados a US$ 3,90 (R$ 20,59).
Fatores externos alheios à fintech, assim como desafios próprios do negócio para monetizar a operação, contribuíram para a forte desvalorização do papel ao longo dos últimos 12 meses.
No cenário macroeconômico de forma mais ampla, o início do processo de alta dos juros nos Estados Unidos para combater a pressão inflacionária no país foi um fator que pesou de maneira relevante para o desempenho não apenas do Nubank como também das grandes empresas americanas de tecnologia.
Com a expectativa de um crescimento destacado das operações no futuro, as empresas de tecnologia acabam sofrendo mais do que a média de mercado em cenários de elevação dos juros, à medida que os investidores passam a rever as projeções para os lucros desses negócios ao considerar uma taxa de desconto mais alta para os próximos anos.
"A queda das ações do Nubank veio acompanhada de promessas de crescimento, o mercado logo percebeu que a empresa teria dificuldade de execução, simplesmente porque não se via nenhuma visibilidade de os juros começarem a cair", afirma Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research.
Na quarta-feira (14), o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) elevou a taxa de juros americana pela sétima vez consecutiva, o que tem alimentado a expectativa no mercado de que o processo de aperto monetário poderá culminar em uma recessão econômica global em 2023.
A analista da Nord acrescenta que a probabilidade de a taxa Selic permanecer alta por mais tempo do que se previa até algumas semanas atrás, na esteira das discussões sobre a condução da política fiscal a partir do próximo ano, também traz um impacto negativo para a operação do Nubank, com redução na concessão de crédito e aumento da inadimplência.
Nesse ambiente, as fintechs de um modo geral, que no período de juros historicamente baixo dos últimos anos conseguiram levantar recursos em abundância junto aos bolsos dos agentes financeiros, viram a torneira fechar.
Além de se verem forçadas a aumentar os esforços para começar a monetizar as operações o quanto antes para entregar retorno aos investidores, as novas empresas digitais passaram a ter de rever seu tamanho, com uma série de demissões ao longo dos últimos meses.
O Nubank não conseguiu escapar a essa tendência, tendo feito demissões de funcionários nas últimas semanas, assim como pares do mercado, como as plataformas XP Investimentos e TC.
"O Nubank, como muitas empresas, faz avaliações regularmente no tamanho de seus times internos, para realizar ajustes de acordo com as necessidades do negócio. Os desligamentos no setor de recrutamento refletem uma mudança no ritmo de contratações", informou a fintech em nota.
Além de ajustar o quadro de empregados à nova realidade, a fintech tem adotado medidas para aumentar a monetização da base que soma cerca de 70 milhões de clientes e que representa um dos principais desafios apontados por analistas de mercado para tornar a operação sustentável.
Uma das principais iniciativas nesse sentido até aqui veio em julho, quando a empresa anunciou que o saldo de novos depósitos na conta do Nubank passará a render automaticamente 100% do CDI apenas a partir de 30 dias após a entrada do dinheiro, com pagamento retroativo.
Em evento no início de dezembro, o presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho, disse que, na nova era de juros mais próximos das médias históricas, as fintechs passam a buscar cada vez mais formas de monetizar seus negócios.
"Vários deles estão mudando seus modelos de negócio. Aquilo que era uma remuneração de uma conta 100% do CDI agora você já não remunera mais se o cliente girar o recurso antes de 30 dias, o que acontece na grande maioria dos casos", afirmou o executivo, em aparente referência à medida anunciada pelo Nubank.
Na abertura de capital nos Estados Unidos em dezembro de 2021, o Nubank chegou a ultrapassar o Itaú e ocupou por alguns dias o posto de instituição financeira de maior valor de mercado da América Latina.
Com a queda das ações desde então, o Nubank soma atualmente um valor de mercado de aproximadamente US$ 18,2 bilhões (R$ 96,1 bilhões), contra US$ 40,7 bilhões (R$ 215 bilhões) do Itaú.
Chefe de análise e sócio da Levante Investimentos, Enrico Cozzolino diz que considerou bastante exagerado o nível de preços das ações do Nubank no momento da abertura de capital, ao considerar que a empresa foi avaliada muito mais como um negócio de tecnologia sob o olhar dos investidores do que como um banco.
Com o ajuste agudo ocorrido desde então, Cozzolino afirma que vê hoje as ações do Nubank sendo negociadas a níveis que refletem de maneira muito mais adequada o valor e o potencial da empresa.
A questão agora, acrescenta o sócio da Levante, é que, embora o preço das ações esteja mais perto do patamar considerado justo, o cenário macroeconômico de forma mais ampla, com juros altos e endividamento das famílias, é hoje bem mais incerto do que há um ano, o que recomenda uma cautela maior com o investimento nas ações da fintech.
Fechamento de capital no Brasil e bônus milionário ao CEO geraram ruídos entre os investidores Desde que optou por se tornar uma companhia de capital aberto, o Nubank também se viu no centro das atenções em razão de decisões que não foram muito bem recebidas pelos analistas.
Entre elas, com o anúncio em setembro de que deixaria de ser uma companhia de capital aberto no Brasil, continuando registrada somente na Bolsa de Nova York.
A companhia afirmou que a proposta tem como objetivo "maximizar a eficiência e minimizar redundâncias consequentes de uma companhia aberta em mais de uma jurisdição".
Na avaliação dos analistas do Itaú BBA, a medida é negativa para a governança da empresa e para os investidores minoritários por reduzir o nível de transparência.
"Na prática, acreditamos que a divulgação de informações pode ficar mais pobre, e até menos comparável com as instituições financeiras locais", disseram os analistas do banco à época.
Também já havia causado algum desconforto no mercado, em abril, a notícia a respeito de um acordo de remuneração segundo o qual a diretoria poderia receber nos próximos anos um montante superior a R$ 800 milhões, a depender do alcance de determinadas metas, sendo que a maior parte do valor seria destinada ao CEO da empresa, David Vélez.
No final de novembro, a fintech informou que a diretoria optou por encerrar o acordo que previa a remuneração milionária.
"O Nu reportou um lucro líquido de US$ 7,8 milhões (R$ 41,6 milhões) no terceiro trimestre, representando break even [ponto de equilíbrio entre despesas e receitas] da holding. Embora tenhamos um aumento da inadimplência no [terceiro] trimestre, consistente com tendências de mercado, nossas margens ajustadas ao risco subiram 100 pontos base, o que mostra que estamos conseguindo precificar o risco corretamente. O Nu está bem capitalizado e pronto para gerar crescimento em escala no longo prazo", disse David Vélez em nota.