Sono insuficiente pode aumentar problemas de humor, saúde física e mental. 'Você ficaria surpreso com a quantidade de jovens que simplesmente não sabem como fazer isso', diz professor. Tony Davis em aula sobre a importância do sono.
AP Photo/Phil Long
Em uma sala de aula da escola Mansfield Senior High, no estado de Ohio, o assunto é um problema enfrentado por adolescentes de todo o país: como conseguir dormir.
Um aluno do nono ano conta que sua técnica é rolar o feed do TikTok até pegar no sono. Uma colega revela que costuma adormecer durante chamadas em grupo com os amigos. Em uma manhã de sexta-feira, alguns nem participam da discussão: estão dormindo sobre as carteiras.
Não se trata mais de um treinamento reservado a recém-nascidos. Algumas escolas dos Estados Unidos decidiram assumir a tarefa de ensinar os adolescentes a ter uma boa noite de sono.
“Pode parecer estranho dizer que alunos do ensino médio precisam aprender a dormir”, afirma o professor Tony Davis, responsável por aulas de saúde exigidas por lei em Ohio. Ele incorporou à disciplina um novo currículo sobre sono. “Mas você ficaria surpreso com a quantidade de jovens que simplesmente não sabem como fazer isso.”
Adolescentes virando a noite não é nenhuma novidade; os jovens são biologicamente programados para dormir mais tarde, à medida que seus ritmos circadianos mudam com a puberdade. Mas estudos mostram que os adolescentes estão mais privados de sono do que nunca, e especialistas acreditam que isso pode estar contribuindo para a crise de saúde mental entre os jovens e para outros problemas que afetam as escolas, incluindo questões de comportamento e de frequência.
“É só entrar em qualquer escola de ensino médio nos Estados Unidos para ver adolescentes dormindo. Seja sobre uma carteira, no chão, em um banco ou até em sofás que algumas escolas oferecem para sonecas — eles estão exaustos”, diz Denise Pope, professora sênior da Faculdade de Educação da Universidade Stanford. Pope pesquisa estudantes do ensino médio há mais de uma década e lidera sessões para pais em escolas da Califórnia sobre a importância do sono na adolescência. “O sono está diretamente ligado à saúde mental. Ninguém vai discordar disso.”
Quanto sono os adolescentes precisam?
Adolescentes precisam de oito a dez horas de sono por noite para o desenvolvimento do cérebro e do corpo. Mas, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC), quase 80% dos adolescentes dormem menos do que isso. Desde 2007, a agência tem monitorado uma queda constante nas horas de sono dos jovens. Hoje, a média é de apenas seis horas por noite.
Pesquisas mostram cada vez mais como o sono está fortemente ligado ao humor, à saúde mental e ao risco de automutilação. Quanto menos sono, mais aumentam casos de depressão, ansiedade, pensamentos e comportamentos suicidas. Diversos estudos também apontam a relação entre a falta de sono e lesões esportivas, desempenho em atividades físicas, acidentes de trânsito envolvendo jovens motoristas, comportamento sexual de risco e uso de substâncias — situações que têm, em parte, ligação com o julgamento prejudicado de um cérebro cansado.
Há anos, especialistas em sono soam o alarme sobre essa crise entre adolescentes, apoiados por instituições como a Associação Médica Americana, a Academia Americana de Pediatria, o CDC e outras entidades. Como resposta, alguns distritos escolares adotaram horários de início das aulas mais tardios. Dois estados — Califórnia e Flórida — aprovaram leis que determinam que as aulas em escolas de ensino médio não comecem antes das 8h30. Mas, como qualquer pai pode confirmar, simplesmente mandar um adolescente dormir mais cedo nem sempre funciona: é preciso convencê-los.
É por isso que o distrito escolar de Mansfield, que atende 3 mil alunos no centro-norte do estado de Ohio, está promovendo o que chama de “intervenção do sono”.
‘Durma para ser uma versão melhor de você’
Aluno dorme durante aula de saúde sobre qualidade do sono.
AP Photo/Phil Long
A escola de ensino médio do distrito está testando um novo currículo chamado “Durma para ser uma versão melhor de você”, com o objetivo de melhorar o desempenho acadêmico e reduzir as ausências crônicas — quando um estudante falta a mais de 10% do ano letivo. Segundo Kari Cawrse, coordenadora de frequência do distrito, a taxa de alunos que faltam tanto diminuiu de 44%, em 2021, para 32%, mas o número ainda é alto. Pesquisas com pais e estudantes apontaram problemas generalizados relacionados ao sono e um ciclo difícil de quebrar: dormir tarde, perder a hora, perder o ônibus escolar e acabar faltando às aulas.
Os alunos da turma de Davis compartilharam suas percepções sobre o porquê de ser tão difícil ter uma boa noite de sono. Uma pesquisa feita em sala de aula com 90 estudantes, de cinco turmas diferentes, mostrou que mais de 60% usam o celular como despertador. Mais da metade adormece olhando para o celular. Especialistas recomendam, há anos, que os pais mantenham os celulares fora do quarto à noite, mas pesquisas nacionais indicam que a maioria dos adolescentes mantém os aparelhos por perto — e muitos acabam dormindo com o telefone nas mãos.
Durante o curso, que é dividido em seis partes, os estudantes são orientados a manter um diário do sono ao longo de seis semanas, anotando também como se sentem em relação ao humor e aos níveis de energia.
O estudante Nathan Baker, que está no primeiro ano do ensino médio, achava que sabia dormir bem, mas percebeu que estava fazendo tudo errado. Para ele, “hora de dormir” significava deitar com o celular e assistir vídeos no YouTube ou no Snapchat Spotlight, muitas vezes ficando acordado até depois da meia-noite. Em uma boa noite, dormia cinco horas. Chegava tão exausto na metade do dia que, ao voltar para casa, cochilava por horas — sem perceber que isso acabava atrapalhando ainda mais o sono da noite seguinte.
“Os maus hábitos começam mesmo no ensino fundamental, com todo o estresse e drama”, conta Baker. Ele passou a aplicar as dicas que aprendeu no curso sobre sono e ficou surpreso com os resultados. Agora, adota uma rotina que começa por volta das 19h ou 20h: desliga o celular e evita lanches noturnos, que podem bagunçar o ritmo circadiano. Tenta manter uma hora fixa para dormir, por volta das 22h, sempre fechando as cortinas e desligando a TV. Ainda gosta de ouvir música para pegar no sono, mas trocou a playlist agitada de hip hop por faixas de R&B ou jazz mais suaves, que ouve no rádio, em vez do celular.
“Estou me sentindo muito melhor. Chego na escola sorrindo”, diz Baker, que agora dorme, em média, sete horas por noite. “A vida ficou muito mais simples.”
E há uma explicação científica para isso. Estudos com exames de ressonância magnética mostram que o cérebro fica sob estresse quando está privado de sono e passa a funcionar de maneira diferente. A atividade na região pré-frontal, responsável por regular emoções, decisões, concentração e controle dos impulsos, diminui. Enquanto isso, a amígdala, área ligada ao processamento de medo, raiva e ansiedade, fica mais ativa.
Entenda as diferenças do sono entre homens e mulheres
Pais e adolescentes muitas vezes não percebem os sinais da privação de sono e acabam atribuindo o comportamento ao “normal” da idade: irritação, mau humor, fragilidade emocional, falta de motivação, impulsividade ou negatividade.
É como com crianças pequenas que fazem birra quando não tiram a soneca.
“Adolescentes também têm crises, porque estão cansados. Mas fazem isso de um jeito mais apropriado para a idade”, diz Kyla Wahlstrom, especialista em sono de adolescentes da Universidade de Minnesota, que há décadas pesquisa os benefícios de horários de início das aulas mais tardios. Wahlstrom é a criadora do currículo gratuito sobre sono adotado em Mansfield e em diversas escolas de Minnesota.
A culpa não é só das redes sociais
As redes sociais são frequentemente apontadas como um dos fatores que alimentam a crise de saúde mental entre adolescentes, mas muitos especialistas dizem que o debate nacional ignora o papel crucial do sono.
“As evidências que ligam o sono à saúde mental são muito mais sólidas e causais do que as que envolvem redes sociais”, afirma Andrew Fuligni, professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e codiretor do Centro para o Desenvolvimento do Adolescente da UCLA.
Quase 70% dos alunos da professora Davis, em Mansfield, disseram que se sentem sonolentos ou exaustos com frequência durante o dia escolar. Mas a tecnologia não é a única responsável. Os jovens de hoje vivem com agendas lotadas, sobrecarregados e pressionados — especialmente à medida que se aproximam do último ano do ensino médio e do processo de candidatura às faculdades.
Chase Cole, de 17 anos, está no último ano e tenta conquistar uma bolsa esportiva para jogar futebol na universidade. Ele faz três disciplinas de nível avançado e integra três ligas diferentes de futebol, com treinos até as 19h. Quando chega em casa, tira uma soneca, acorda para o jantar e depois mergulha nos deveres de casa, que costumam tomar pelo menos três horas. Entre uma tarefa e outra, faz pequenas pausas de cinco minutos no celular, e só relaxa de vez, jogando videogame ou assistindo TV, perto da 1h da manhã.
“Eu definitivamente preciso dormir mais à noite”, admite Cole. “Mas é difícil com todas essas aulas avançadas e o processo de preparação para a faculdade. Cansa muito.”
Para a estudante Amelia Raphael, de 15 anos, que está no segundo ano, simplesmente não há horas suficientes no dia para dormir. Ela se define como perfeccionista: cursa física, química avançada, álgebra e trigonometria, além de fazer aulas online para obter um diploma universitário de tecnólogo antes mesmo de terminar o ensino médio.
“Eu não quero ter que pagar pela faculdade. É muito caro”, diz Raphael, que também joga em três equipes esportivas, participa do grêmio estudantil e de outros clubes.
Ela sabe que está sobrecarregada. “Mas se você não fizer tudo isso, meio que está se preparando para o fracasso. Existe muita pressão para dar conta de tudo”, diz Raphael, que costuma ir dormir entre meia-noite e 2h da manhã. “Estou abrindo mão do sono para isso.”
*Este texto foi publicado originalmente em inglês pela Associated Press, e traduzido pelo g1.
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