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Plataforma incerta faz Hernández, no 2º turno na Colômbia, misturar direita e esquerda

(FOLHAPRESS) – Um candidato que parecia destinado a azarão mas que ganhou terreno, passou concorrentes nas pesquisas, ficou com a segunda colocação e, no segundo turno, tem chances reais de desbancar o nome tido por meses como favorito. O quadro da primeira volta da eleição colombiana é um bom jeito de definir Rodolfo Hernández -e mais simples do que traçar seu perfil político e sua plataforma de governo.

O empresário e ex-prefeito de Bucamaranga disputa o pleito no próximo dia 19 contra o senador e ex-guerrilheiro Gustavo Petro. O primeiro colocado neste domingo (29), com 40,3% dos votos, é associado à esquerda e tem como desafiante alguém que se coloca como outsider, mas que é difícil de ser classificado como sendo de esquerda ou de direita, segundo analistas ouvidos pela reportagem.

“Ele é um populista, como [o mexicano Andrés Manuel] López Obrador ou [o brasileiro Jair] Bolsonaro, mas estes são claramente identificados com a esquerda e com a direita, respectivamente. Hernández co..

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(FOLHAPRESS) – Um candidato que parecia destinado a azarão mas que ganhou terreno, passou concorrentes nas pesquisas, ficou com a segunda colocação e, no segundo turno, tem chances reais de desbancar o nome tido por meses como favorito. O quadro da primeira volta da eleição colombiana é um bom jeito de definir Rodolfo Hernández -e mais simples do que traçar seu perfil político e sua plataforma de governo.

O empresário e ex-prefeito de Bucamaranga disputa o pleito no próximo dia 19 contra o senador e ex-guerrilheiro Gustavo Petro. O primeiro colocado neste domingo (29), com 40,3% dos votos, é associado à esquerda e tem como desafiante alguém que se coloca como outsider, mas que é difícil de ser classificado como sendo de esquerda ou de direita, segundo analistas ouvidos pela reportagem.

"Ele é um populista, como [o mexicano Andrés Manuel] López Obrador ou [o brasileiro Jair] Bolsonaro, mas estes são claramente identificados com a esquerda e com a direita, respectivamente. Hernández conquistou seu eleitorado não por ser uma coisa ou outra, mas por sua mensagem simples e a comunicação eficiente", diz Paola Montilla Niño, da Universidade Externado da Colômbia.

Ela lembra que o programa de governo do candidato é raso, evasivo em muitos pontos e em geral pouco conhecido -mas vendido como sendo dirigido aos pobres, o que tem seu grau de efetividade. Nesse contexto, cita um caso com um quê anedótico para exemplificar a trajetória de Hernández até aqui. "Em um vídeo no TikTok, ele prometeu aos colombianos que todos que ainda não conhecem o mar vão poder fazê-lo quando ele for presidente. Parece bobo, mas é uma promessa que toca uma corda emocional ao mesmo tempo que trata de um aspecto fundamental de seu programa."

O presidente brasileiro é só um dos líderes contemporâneos que representam uma ideologia com forte base no discurso anticorrupção com os quais analistas associam o colombiano.

"Vejo conexão entre Hernández e populistas de direita, como Bolsonaro, [o ex-presidente dos EUA Donald] Trump, [o salvadorenho Naiyb] Bukele, [o ex-líder filipino Rodrigo] Duterte. Eles se vendem como outsiders, como alguém que apareceu de repente", diz a especialista em relações internacionais Arlene Beth Tickner, americana radicada na Colômbia e professora da Universidade do Rosário. "E nesse contexto o discurso anticorrupção é eficiente na tentativa de recolher o descontentamento de muitos eleitores."

Para o segundo turno, o segundo colocado (com 28,2% dos votos) já garantiu o apoio formal do terceiro, num país nunca governado pela esquerda. Federico "Fico" Gutiérrez, que obteve 23,9% dos votos, afirmou que Petro "seria um perigo à democracia, às liberdades, à economia e às famílias", endossando Hernández. Ao menos três nanicos fizeram o mesmo, referendando a dificuldade que o esquerdista terá para ampliar seu eleitorado a partir de agora.

Outra incógnita no caminho são os pontos de contato entre os programas dos dois candidatos -algo que, segundo Tickner, não é propriamente contraditório. "Petro e Hernández passaram ao segundo turno também por terem promessas parecidas: atacar a pobreza, oferecer mais saúde, empregos, mais presença do Estado. Hernández pende para a direita porque vai para o lado mais moral, mas Petro também poderia ter traços de direita, por ter um tom autoritário."

Montilla Niño destaca que o ex-prefeito de Bucamaranga vem do setor privado e defende o livre-comércio, mas ao mesmo tempo indica ser protecionista no que diz respeito ao setor do agro. Também defende aumentar o gasto social com o dinheiro dos impostos, outra plataforma de esquerda. "Tudo isso pode soar contraditório para um manual de política, mas encaixa com a realidade colombiana atual", afirma.

Em outra citação no TikTok, o candidato afirmou que se as pessoas entregarem "o talão de cheques a Petro" vão perder seu dinheiro. "As pessoas compram essa ideia por ele ser um homem rico, que prega viver de modo austero. Diz que vai abrir mão de salário, que vai vender os aviões da Presidência… Aí caímos na definição de populismo", completa.

Os apoios no segundo turno não resolvem, ao menos por ora, um desafio que Hernández terá se chegar ao poder: o da governabilidade. Enquanto a aliança da esquerda teve um desempenho histórico no pleito legislativo, a de Hernández elegeu apenas dois parlamentares. E o próprio perfil do político torna o cenário incerto -com os analistas vendo o risco maior de que ele tome um caminho mais autoritário.

Montilla Niño lista: "Ele estará sozinho; despreza a institucionalidade, ao chamar a responsabilidade das coisas para si; já demonstrou ser violento [deu um tapa num vereador quando prefeito]; não sabemos como será sua relação com a Justiça, que ele tanto ataca por causa da corrupção; nem se seus eleitores sabem que vai ser dificílimo governar sem apoio no Congresso". Por isso, ela destaca que muito passaria pela maneira como as forças políticas tradicionais vão se acomodar nesse quadro.

Isso tampouco seria novo. Outros países da América Latina viram tendência semelhante num novo giro à esquerda da região, com as recentes eleições de Gabriel Boric (Chile), Pedro Castillo (Peru), Xiomara Castro (Honduras) e até as de AMLO e Alberto Fernández (Argentina).

"Tanto essas 'novas esquerdas' como esses novos populistas que se vendem com outsiders sugerem uma crise profunda da democracia e das instituições na América Latina. Há uma questão com a democracia representativa e os modos de fazer política que as sociedades estão questionando", afirma Tickner.

A cruzada contra a corrupção que Hernández propõe, curiosamente, não inclui a que ele próprio é acusado de ter cometido. Logo após o segundo turno, ele terá de depor num processo em que já é réu por supostas irregularidades na contratação de uma consultoria para implementar novas tecnologias no sistema de coleta do lixo quando era prefeito de Bucaramanga. O candidato diz que é inocente.

Para Daniel Coronel l, principal analista político da Colômbia e editor do site Los Danieles, o fato de ele ser "bocudo e impulsivo" resume a indignação das pessoas. "A cena do tapa no vereador [que fez acusações contra o filho de Hernández] virou meme, fazendo dele um super herói, um Chapolin Colorado. Mas nisso que parece uma piada há um significado enorme: as pessoas veem alguém direto e disposto a resolver os problemas. Não é o caso de buscar se isso é de direita ou de esquerda."

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