Em entrevista à BBC News Brasil, autora que coleciona prêmios e exemplares vendidos, fala sobre a velhice, o impacto da tecnologia na infância e seus próximos planos de carreira. Família de Ruth Rocha está mirando a internacionalização da obra da escritora, que já tem livros traduzidos em 25 idiomas
Flávia Mantovani/BBC
A escritora Ruth Rocha tem 93 anos, mas diz que aparenta só 92. A brincadeira vem de uma conversa que teve com uma criança há quase cinco décadas.
"Era um menininho. Ele me perguntou: ‘Quantos anos você tem?’ Eu falei: ‘Tenho 47’ e ele: ‘Mas você não parece! Você parece ter uns… 46!"
Rememorada aos risos por Ruth, essa é uma das muitas histórias que coleciona de sua carreira, em que se tornou ícone da literatura infantil.
Ela tem mais de 200 livros publicados, 40 milhões de exemplares vendidos, com forte presença nas salas de aula, e obra traduzida para 25 idiomas, além de oito prêmios Jabutis.
Autora de clássicos como Marcelo, Marmelo, Martelo, O Reizinho Mandão e A Primavera da Lagarta, a escritora conversou com a BBC News Brasil na sala de sua casa, na cidade de São Paulo.
Vestida com um conjunto de cor clara, maquiada, com o cabelo grisalho muito bem penteado e óculos pretos modernos, Ruth driblou com humor e lucidez a dificuldade de audição e o cansaço físico e mental inerente à idade.
“Escrevo o que eu penso, o que eu sinto, mas eu não ensino muito, não. Eu conto as coisas que eu acho interessantes. Livro tem que ser interessante, divertido”, afirma Ruth.
Ela começou a conversa sentada em uma cadeira de balanço, tomou café quente de um só gole e, no final, se levantou para tirar fotos em frente a uma estante cheia de livros, prêmios e imagens da família.
Depois, sentou-se em uma mesa para mostrar um caderno cheio de frases de autores dos quais gosta e leu um poema de Lorenzo Stechetti, pseudônimo do italiano Olindo Guerrini.
Apesar de ter diminuído o ritmo, Ruth segue na ativa, com a ajuda da família.
Continua escrevendo livros, reeditando obras e firmando parcerias com artistas renomados, além de ter renovado o contrato de exclusividade com a editora Salamandra, do grupo espanhol Santillana, por mais 15 anos.
Um dos lançamentos previstos ainda para este ano é Encontro de Histórias (ed. Panini), um livro em quadrinhos da Turma da Mônica junto com a Turma do Marcelo, personagem que o próprio Maurício de Sousa quis desenhar.
A parceria inédita, que era um desejo antigo do quadrinista, foi anunciada na Bienal do Livro de São Paulo em setembro.
Já a parceria com outro cartunista célebre, Caco Galhardo, renderá o título A Lebre e a Tartaruga, que fará parte dos Recontos bonitinhos (ed. Global), coleção com versões de contos clássicos em rimas e versos.
Para o ano que vem, a família de Ruth prepara o relançamento de dez livros já existentes da escritora, remodelados em formato premium e com ilustrações inéditas.
“Um dos trabalhos que eu faço é buscar ilustradores novos, com mais diversidade também, para incluir na obra dela”, afirma Mariana Rocha, sua filha.
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Mariana Rocha, filha de Ruth, fez a seleção de dez livros para o portfólio internacional da autora
Flávia Mantovani/BBC
É Mariana quem comanda um esforço pela internacionalização da obra da mãe, que já recebeu um dos maiores reconhecimentos mundiais da literatura infantil, ao ser incluída na Lista de Honra do Prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel do gênero.
Neste ano, Marcelo, Marmelo, Martelo, o maior best-seller de Ruth, foi publicado nos Estados Unidos — com o nome Marcelo Martello Marshmallow — e em Portugal.
Para o portfólio internacional, Mariana Rocha fez uma seleção de dez livros que considerou mais universais.
Ela vê os países da América Latina e os Estados Unidos como especialmente promissores, mas também pensa em mercados mais longínquos.
No dia da entrevista, no início de novembro, por exemplo, a agente que representa Ruth estava na feira de Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos.
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'Envelhecer é muito chato'
Hoje, um problema de visão dificulta a capacidade de leitura de Ruth, mas a literatura continua sendo sua companheira graças à irmã Rilda e ao neto Pedro, que leem para ela — Rilda, todos os dias, durante uma hora, por telefone; Pedro, pessoalmente, duas vezes por semana.
"Não fico sem livros na vida", diz a escritora.
Com Rilda, já foram mais de 70 obras lidas. Com Pedro, 13, sendo que cinco são do mesmo autor, Ítalo Calvino.
O neto costuma postar vídeos no TikTok falando das obras que lê com a avó e recebe enxurradas de comentários de fãs de Ruth.
"Ele lê muito bem, é muito expressivo. Agora, estamos lendo contos do [Ernest] Hemingway. Cem anos de solidão [de Gabriel García Márquez] eu já tinha lido e ele releu para mim, adorei", diz Ruth.
Para Ruth, "envelhecer é muito chato".
"Não tenho a mesma alegria de fazer coisas, estou mais fraca, não saio muito. Mas sou feliz. Tenho uma família ótima, tenho saúde, me sinto bem."
O neto Pedro ajuda Ruth a ler, duas vezes por semana
Flávia Mantovani/BBC
Para Ruth, crianças continuam gostando de livros, mesmo com o apelo de celulares e outras telas. Sua sugestão para incentivar o amor pela literatura é começar despertando o gosto pela língua.
"É importante conversar com as crianças desde que elas são pequenininhas, cantar, falar poesia, trocar ideias", diz.
Era assim que ela fazia com Mariana, filha única de Ruth com o empresário e ilustrador Eduardo Rocha, com quem a escritora foi casada até ele morrer, em 2012.
"Minha filha queria saber coisas diferentes. Ela dizia: ‘Eu quero a história dessa coisa de vidro aqui. A história daquele vaso, de um cinzeiro, das estrelas’. Eu não sabia, mas ficava inventando."
Outra recomendação de Ruth é que os pais cultivem o próprio hábito de leitura.
"Leitura também é exemplo. As crianças gostam de brincar de adulto. Elas brincam de médico, de pirata, de aviador. Se ela vê os adultos lendo livros, vai querer imitá-los."
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Obra atravessada pela ditadura e pela covid-19
Em dezembro de 2023, Ruth lançou O Grande Livro dos Macacos, com curiosidades sobre esses animais e sobre a Teoria da Evolução de Charles Darwin.
Foi, diz a filha Mariana, uma forma de se contrapor ao negacionismo da ciência que angustiava a escritora durante a pandemia de covid-19 — ela dedicou o livro aos cientistas.
Duas das páginas trazem desenhos de Miguel, neto de Ruth, que é designer. "Ele não faz esse tipo de desenho, fez porque eu pedi", diz a avó, orgulhosa.
A indignação com questões políticas e sociais foi ponto de partida para as histórias de Ruth em outros momentos de sua carreira.
Livros como O Reizinho Mandão, por exemplo, criticavam o autoritarismo em plena ditadura militar, mas não chamavam a atenção dos órgãos de censura.
“Ninguém levava muito a sério literatura infantil, achavam que era bobagem”, diz Ruth.
Ela lembra de quando, ainda na ditadura, recebeu um prêmio diretamente das mãos de um ministro da Educação por outra obra que tocava em assuntos como poder e democracia: O rei que não sabia de nada.
Se os livros sobre governantes autoritários enganaram os censores, não passaram batido pelas crianças.
Ruth conta que em uma ocasião, após contar a história de O Reizinho Mandão, um pequeno leitor disse a ela: “Mas esse é o presidente da República!”.
Ela tentou disfarçar. "Eu falei: ‘Não, imagina, é um irmão mandão, um pai mandão’. Aí ele perguntou: ‘Você não tem medo da polícia?’ Respondi que sim, tinha muito medo."
Formada em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Ruth começou a escrever histórias infantis a pedido de uma amiga, Sonia Robatto, diretora da Recreio — revista da editora Abril que a própria Ruth dirigiu posteriormente.
A sugestão de Sonia foi bastante veemente.
“Ela queria que eu fizesse uma história. Eu falava: eu conto histórias para a Mariana, mas eu não sei contar outras histórias. Ela ficava: conta, conta, conta, conta. Até que um dia, ela me trancou na casa dela. E eu sentei e escrevi”, lembra Ruth.
Essa primeira história que Ruth publicou, até hoje muito conhecida dos leitores, é sua versão do clássico Romeu e Julieta com duas borboletas como personagens: uma azul e uma amarela, que não podiam brincar juntas por terem cores diferentes.
Era, segundo ela, uma forma de abordar o preconceito sem perder a fantasia e a ludicidade de uma boa história infantil, característica que acompanhou a escrita da autora ao longo de sua carreira.
“Os livros dela agradam demais aos professores, são adotados em massa pelas escolas e às vezes as pessoas querem colocar como educativo”, diz Mariana.
"É um trabalho que inspira conhecimento e transformação, mas ela sempre fala: minha obra não é didática."
Ruth afirma que sua intenção é despertar nas crianças o mesmo prazer pela literatura que ela tem desde sua infância, quando ouvia histórias contadas por seus pais e avós e pegava livros emprestados toda semana em uma biblioteca.
"A vida inteira eu tinha muitas ideias. Eu estava escrevendo uma história e já saía com três ideias para escrever, ficava com aquilo na cabeça", conta.
De suas 218 obras, ela diz que não tem uma favorita, mas admite que algumas são especiais, citando Marcelo, Marmelo, Martelo, Quando eu comecei a crescer e Um cantinho só pra mim.
Esses dois últimos têm um forte teor autobiográfico, segundo Mariana.
"Minha mãe é muito faladeira e sociável, mas ela curte muito também ficar sozinha, ter momentos de quietude, no mundo dela, pensando na vida", aponta a filha de Ruth.
"Acho que isso também propiciou a criação, a imersão no mundo da Imaginação."
Mariana conta que recebe muitas manifestações de carinho de leitores de diferentes gerações.
"Minha mãe fez parte da infância e do crescimento de muita gente. Pessoas falam que a literatura dela transformou suas vidas, porque mostrou uma amplitude de possibilidades para o ser humano se desenvolver", diz Mariana.
"Tem gente que chora e eu choro junto. É muito bonito."
Apesar das mudanças trazidas pela velhice, Ruth continua escrevendo — à mão, em pranchetas.
Ela acabou de terminar uma obra que chamou de Histórias pequeninas de gente pequenina e está trabalhando em um texto com uma nova versão do conto de Cinderela.
“Não aguento fazer muita coisa, mas eu gosto muito [de escrever]. É a minha vida."
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