FERNANDO CANZIAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois anos após o ministro Paulo Guedes (Economia) dizer que existem "200 milhões de trouxas sendo explorados por seis bancos", a concentração no mercado financeiro segue elevada no Brasil, apesar de mudanças recentes na área.
No ano passado, cinco instituições (Itaú, Bradesco, Santander, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) controlaram 72,6% do crédito e 63,1% das receitas entre 441 conglomerados prudenciais (bancos privados e públicos e outras instituições de pagamentos), segundo dados do Banco Central.
A participação deles nas receitas é próxima à de 2015, e aumentou no crédito. No período, diminuiu a concentração no lucro líquido, que cedeu de 72,2% do total para 60,7%. Combinados, os cinco lucraram R$ 100,7 bilhões em 2021.
Grande parte dessa diminuição, porém, deu-se pela melhora dos resultados do BNDES, cuja fatia no lucro total subiu de 6,7% em 2015 para 20,5% em 2021, impulsionada pela venda de participações em estatais.
O BC (Banco Central) sustenta que tem entre suas prioridades o aumento da competição, com ações para facilitar o ingresso de novas instituições no mercado.
"O foco é a concorrência e a quebra de barreiras de entrada nos diversos segmentos", afirma Paulo Sérgio Neves de Souza, diretor de Fiscalização.
Souza ressalta que, além das fintechs, há cada vez mais espaço ocupado pelas cooperativas de crédito –não incluídas na amostra de 441 instituições, elaborada pela Folha e a consultoria TC Matrix, por terem regras diferenciadas.
Segundo o BC, as cooperativas já respondem por 11,4% dos financiamentos (o dobro em relação a 2015) no segmento de pequenas e médias empresas.
Na avaliação de Souza, a concentração bancária no Brasil tem raízes históricas, sobretudo do período hiperinflacionário até o Plano Real, em 1994.
Contribuíram ainda o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), e a liquidação de vários bancos estaduais (o Santander, por exemplo, comprou o Banespa em 2000).
Neste século, houve nova onda de concentração, com o anúncio da venda do espanhol Bilbao Vizcaya para o Bradesco (2003), do holandês ABN Amro para o Santander (2007) e do britânico HSBC também para o Bradesco (2015). Em 2008 deu-se a fusão entre Itaú e Unibanco, resultando na maior instituição financeira da América Latina.
"Mas a tecnologia vem mudando essa dinâmica", afirma Souza. "Hoje, não é preciso ter rede de agências para conquistar base de clientes, e há várias instituições fazendo isso com mais de 10 milhões de pessoas, que estão fora dos grandes bancos."
Bruno Magrani, presidente da Zetta, associação que reúne empresas de tecnologia com serviços financeiros, como Nubank, Mercado Pago e Inter, diz que o setor acompanha "com atenção" a agenda do BC.
"É de suma importância que o Banco Central continue explorando caminhos para tornar o setor cada vez mais competitivo, inclusivo e livre de burocracias", afirma. Magrani calcula que clientes das empresas associadas à Zetta tenham economizado R$ 60 bilhões em tarifas no ano passado.
Há alguns meses, a atuação mais agressiva e o crescimento das instituições de pagamento e digitais levaram o BC a aumentar exigências de capital para elas, que entram em vigor em janeiro de 2023, com implementação em fases até 2025.
As medidas, segundo Souza, criam "uma regulamentação prudencial mais aderente ao risco que as instituições estavam correndo".
Para Luiz Fernando de Paula, economista do Observatório do Sistema Financeiro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Banco Central tem atuado "de forma serena" na área.
"Ele permitiu que muitas empresas entrassem no mercado e ganhassem determinado patamar antes de exigir aumento de capital prudencial, que será proporcional ao tamanho e complexidade do negócio."
Embora a concentração bancária siga muito elevada no Brasil, Paula afirma que as fintechs tiraram os grandes bancos da zona de conforto. "Para não perder espaço, muitos passaram a oferecer os serviços que os menores têm."
Apesar do avanço das fintechs, e dos milhões de clientes que elas passaram a atender, os grandes bancos brasileiros seguem dominando um mercado altamente concentrado e estão entre os mais rentáveis do mundo.
Em 2021, das 10 instituições mais lucrativas do planeta, 4 eram brasileiras, segundo levantamento da consultoria Economática com base no ROE (sigla em inglês para retorno sobre patrimônio líquido).
O ranking é liderado pelos americanos Capital One (ROE de 20,4%) e Ally Financial (19,3%). Na sequência vêm Santander Brasil (18,9%), o canadense RBC (17,3%), Itaú (17,3%), o americano J.P. Morgan (16,9%), Banco do Brasil (15,7%) e Bradesco (15,2%).
A Febraban, que reúne 119 instituições e bancos brasileiros, questiona o levantamento por incluir apenas instituições de capital aberto e com ativos superiores a US$ 100 bilhões.
Rubens Sardenberg, diretor de Economia da Febraban, diz que a rentabilidade dos bancos brasileiros não é "uma aberração". Ele cita ranking da revista americana The Banker, em que a média de algumas instituições latino-americanas é maior do que a das brasileiras.
Segundo base da The Banker, a rentabilidade média dos bancos nacionais sobre o patrimônio líquido entre 2016 e 2020 foi de 18,2%. Na Argentina, de 23,3%; no México, 18,5%. No Chile, no entanto, foi de 13,3%; e de 11,5% nos EUA, país com mercado muito menos concentrado que o brasileiro.
O estudo da Economática comparou também a rentabilidade dos quatro maiores bancos brasileiros em 2021 com 20 instituições domésticas menores. Nos grandes, ela foi de 16,5%; nas menores, de 12,5%.
Sobre a concentração no setor, Sardenberg diz que o mercado brasileiro é aberto. "Se é tão lucrativo, por que outros bancos internacionais não vêm para cá?"
Para Carlos André Vieira, analista-chefe da TC Matrix, só o aumento da competição poderá equilibrar a rentabilidade dos bancos brasileiros em relação ao mercado internacional. "As fintechs ainda vão se desenvolver muito, mas elas também têm o desafio de obter maior rentabilidade junto à clientela."
Vieira afirma que será preciso mais competição também para que as taxas de juro cobradas pelos bancos diminuam.
"No Brasil, os juros elevados também têm outros motivos, como a dificuldade na recuperação de créditos. O único imóvel da família dificilmente será tomado em caso de inadimplência [não relacionada a seu financiamento] e a Serasa zera muitas pendências de dívidas após cinco anos. Isso vira custo para quem paga em dia", afirma.
Souza, da Fiscalização do BC, diz que há desinformação em relação ao spread (diferença entre a taxa de captação dos bancos e o que eles cobram em empréstimos).
"O que é contabilizado como renda bruta nas operações de crédito gira em torno de 16% ao ano. Quando se olha para a margem de crédito, que é a taxa de juros bruta menos o custo de captação, o spread cai para 11%. Quando coloco a inadimplência, essa margem gira em torno de 6% a 8%", afirma.
Segundo Angelo Duarte, chefe do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do BC, o ganho dos bancos com o spread é só parte do negócio.
"Privados e públicos, eles têm um mar de operações, como tesouraria, emissão de dívida para empresas, câmbio, produtos securitários, fundos de investimentos. A correlação entre spread, nível de taxa de juros e lucratividade não é imediata. O crédito é uma atividade, mas os bancos têm resultados enormes em outras", afirma.
Para o professor de Finanças do Insper Ricardo Rocha, o aumento da competição no Brasil deve ser perseguido, sobretudo por meio de novos participantes, como as fintechs.
"Mas isso ainda não se deu de forma significativa em nenhum lugar do mundo, onde a tendência, sobretudo após a crise global de 2008, vinha sendo a concentração", diz.
Márcio Nakane, professor de economia da USP com doutorado em pesquisa sobre o Proer, afirma que até o Plano Real (quando a tecnologia não era tão sofisticada) os bancos precisavam ser grandes para ter muitas agências de captação de recursos, e se especializaram em proteger o dinheiro de clientes da inflação.
Depois, e durante muitos anos, o Banco Central teria sido conservador, em sua opinião, ao se preocupar mais com a solidez do sistema do que com o aumento da competição. "Ganhamos estabilidade, mas criou-se uma barreira para novos bancos."
Para Nakane, o estímulo à atuação das fintechs e outras medidas, como o cadastro positivo, a portabilidade cadastral e o Open Banking (que permite agrupar serviços de vários bancos em plataforma única) são cruciais para aumentar a competitividade futura.