Acredite que fez o melhor e abra espaço para uma nova versão sua, mais leve e de bem com a vida Cooper Raiff tem apenas 25 anos e dois filmes no currículo: “O calouro” (“Shithouse”), de 2020, e “Cha Cha Smooth” (“O próximo passo”), vencedor do prêmio do público de melhor drama do Festival de Sundance no começo do ano. Já se tornou uma festejada revelação do cinema americano ao conciliar as atividades de protagonista, roteirista e diretor. Começo a coluna falando dele porque sua obra de estreia mostra a dura adaptação de um jovem que entra na universidade e pela primeira vez se vê longe da mãe e da irmã, um núcleo familiar mais unido do que nunca depois da morte do pai. Num dos muitos telefonemas – que invariavelmente acabam em choro – para casa, a mãe não tem dúvidas: manda o filho, que estuda na Califórnia, voltar imediatamente para o Texas. A cena me tocou na hora: quantas de nós não tiveram reação semelhante ao nos deparararmos com o rebento em apuros, num misto de aflição e culpa pela situação?
Mãe e filha apreciam a paisagem: prepare-se para substituir a carga de culpa por um relacionamento mais leve
Don White para Pixabay
Assumo que sou uma culpada convicta, com um histórico de longas jornadas de trabalho. No entanto, se a convivência não era do tipo 24 horas por dia, sete dias na semana, havia um motivo: minha vida profissional sempre foi de grande importância para mim e as escolhas não eram fáceis. Aproveitei para pedir depoimentos para mulheres entre 45 e 80 anos e eles mostram que, para uma boa parte delas, mesmo quando os filhos crescem, saem de casa e constituem suas próprias famílias, o alerta não se apaga. Ao menor sinal de problema, seja profissional, financeiro, ou de relacionamento, ficamos nos perguntando onde erramos, como se essa fosse a razão para o imbroglio estar ocorrendo. Será que dá para “desligar?
“Para mim, maternidade e culpa andam juntas. Sempre que decidimos colocar alguém nesse mundo doido, nossa tarefa passa a ser fazer daquele serzinho uma pessoa de caráter, do bem, e feliz. Só que as coisas nem sempre acontecem do jeito que imaginamos ou gostaríamos e aí bate a culpa”, diz Sonia (todos os nomes são fictícios).
“Quando minha filha era pequena, sentia culpa demais e o gatilho eram as ausências decorrentes do trabalho, principalmente as viagens. Quando ela tinha 4 anos, durante seis meses trabalhei em São Paulo de segunda a sexta, e só a via nos fins de semana. Achei que tinha sido um grande trauma e nem falava sobre isso. Só fui conversar sobre o assunto quando ela tinha uns 25 anos, mas sua resposta me surpreendeu: me disse que nem se lembrava dessas ausências, ou seja, o trauma era meu!”, conta Heloísa.
“Talvez tenha amado demais e isso atrapalhou seu amadurecimento. Quis que estudasse fora, ele se recusou. Falhei? Não posso obrigar, está fora do nosso controle. Rezo todo dia pedindo saúde, emprego, felicidade”, afirma Cláudia, que não acredita que sofra de culpa materna. Nesses três depoimentos, os filhos estão na casa dos 30 anos.
Joana, que é mãe de adolescente, diz que seu coração agora está “em paz”: “a gente erra e tenta não errar de novo. Já sofri muito porque me dei conta de que não deveria ter brigado tanto, me desgastado durante um período complicado para estabelecer limites”. Ana Lúcia, com 84 anos, também tem uma avaliação positiva: “fiz tudo que achava certo e não me sinto responsável por nada. Pode ser até que eu tenha feito tudo errado, mas acho que deu certo, meus filhos são ótimos”.
Às vezes nos deparamos com um sentimento de autodepreciação (“não fui boa o bastante”), ao observar a forma como nossos netos são criados e imaginar que falhamos. Ou quando episódios do passado nos atormentam com memórias de nossas ausências. Não fomos péssimas mães, tampouco os filhos têm essa avaliação – talvez seja apenas a constatação de que a perfeição não existe. Para se reconciliar com a experiência da maternidade, você pode tentar escrever sobre ela e as circunstâncias que enfrentava. Por exemplo, a idade em que se tornou mãe, seu grau de maturidade na época, se o dinheiro era curto, se recebeu ajuda de outras pessoas ou estava só.
Se achar que vale, escreva uma carta para seus filhos, contando sobre as dificuldades e os arrependimentos. Entretanto, não se esqueça de fazer uma lista dos bons momentos que viveram juntos e peça que compartilhem contigo as lembranças que consideram inesquecíveis. Comece a dar os primeiros passos para substituir a carga negativa de culpa e abra espaço para uma nova versão sua, mais leve e de bem com a vida, cuja única obrigação é ser a melhor mãe (e avó) possível daqui para a frente.