Proposta libera no orçamento do MEC recursos hoje 'carimbados' para educação integral. Missão seria transferida para o Fundeb, que também custeia salários e obras; ONG vê risco. O pacote de corte de gastos anunciado pelo governo federal nesta quinta-feira (29) retira R$ 42,3 bilhões, nos próximos cinco anos, do orçamento do Ministério da Educação.
A medida pode afetar, principalmente, uma promessa de campanha do governo Lula: a expansão do ensino em tempo integral.
A mudança foi parcialmente anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista nesta quinta – mas sem detalhamento.
O pacote ainda vai passar pelo Congresso Nacional, que pode fazer mudanças nas regras durante a tramitação. Os três textos a serem enviados não tinham sido divulgados até a manhã desta sexta (29).
Um dos projetos deve prever que recursos que hoje estão reservados no orçamento próprio do Ministério da Educação para o ensino em tempo integral não teriam mais esse "carimbo".
Ou seja: eles poderiam ser remanejados para outras ações da educação – ou mesmo para outras áreas do governo.
Daí, o ensino integral passaria a ser custeado inteiramente pelo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) – que é composto majoritariamente por recursos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Desafios municipais: ampliar o ensino integral
Atualmente, o governo federal responde por 19% do fundo – percentual que chegará a 23% a partir de 2026. Mas quem decide onde usar o dinheiro são os prefeitos e governadores.
Hoje, o dinheiro já é fundamental para uma série de despesas: salário de professores, formação continuada, transporte escolar, compra de equipamentos e material didático e obras de infraestrutura, por exemplo.
Se o Congresso validar a mudança, a expansão da educação básica em tempo integral também teria que vir inteiramente do Fundeb – sem recursos direcionados pelo MEC para esse fim.
Ou seja: se o MEC deixar de bancar e o Fundeb não conseguir absorver esses gastos, a expansão do ensino integral pode perder R$ 42,3 bilhões nos próximos cinco anos.
“Como não haverá necessidade de aportar recursos do Ministério da Educação para escola em tempo integral, abre-se um espaço fiscal no orçamento do MEC que pode ser futuramente aplicado em outros temas, como o Pé de Meia, mas hoje é uma abertura de espaço no orçamento federal”, informou o Ministério da Fazenda, por meio de nota.
Desse modo, o que será feito com esses recursos hoje carimbados no Ministério da Educação vai depender do orçamento de cada ano – que é proposto pelo governo, mas passa pelo crivo do Congresso.
Os valores, na prática, poderão ir para qualquer área.
13% do pacote total
Nas tabelas atuais, essa medida sozinha responde por 13% do corte total de gastos estimado para os próximos cinco anos (R$ 327,1 bilhões).
É a segunda maior contenção de despesas – perdendo apenas para o ajuste do salário mínimo, que tem impacto nos benefícios previdenciários e assistenciais.
Esse percentual pode mudar, claro, se o Congresso fizer mudanças no pacote durante a tramitação.
ONG vê prejuízo à educação
Segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) – organização não governamental sem fins lucrativos e não partidária –, a proposta transfere para estados e municípios "parte de sua responsabilidade com a educação em tempo integral, um dos compromissos de campanha".
A entidade lembrou que a complementação do Fundeb, feita pela União, vai para estados e municípios com menor capacidade de arrecadação.
Há muitos municípios, inclusive, que "sobrevivem" praticamente só com recursos do Fundeb e outros repasses do governo federal e dos estados.
"Sabemos que boa parte deles não consegue sequer pagar o piso salarial da educação básica e agora terão de arcar com parte da oferta de ensino integral com recursos do Fundeb. O que provavelmente não ocorrerá, ampliando desigualdades regionais", acrescentou o Inesc.