Escritora diz que querer a morte da mãe é uma heresia, mas que há meses ansiava por sua partida
Em seu novo livro, a psicanalista Betty Milan questiona o prolongamento da vida e afirma: “também escrevo para saber quando e como desejo ir embora” Em 2016, a psicanalista Betty Milan lançou “A mãe eterna”, livro que se debruçava sobre a situação da mãe quase centenária que, depois de uma queda seguida de cirurgia, inicia, aos 97 anos, um severo processo de declínio físico e cognitivo. Agora, em “Heresia – tudo menos ser amortal”, a escritora, que acabou de assumir uma cadeira na Academia Paulista de Letras, retoma o tema a partir da morte da anciã. Avisa aos leitores que vai atribuir o que escreve a uma outra narradora, criando uma fricção entre o real e o imaginário, e assume, sem pudor: “o nome pode ser Lúcia. Com ela eu vou em frente sem medo de dizer o que sinto. Sei que desejar a morte da mãe é uma heresia. Há meses eu desejava a partida. Se me perguntassem por que, eu responderia que não suportava mais o que restou dela”.
A psicanalista e escritora Betty Milan, autora de “Heres..
Em seu novo livro, a psicanalista Betty Milan questiona o prolongamento da vida e afirma: “também escrevo para saber quando e como desejo ir embora” Em 2016, a psicanalista Betty Milan lançou “A mãe eterna”, livro que se debruçava sobre a situação da mãe quase centenária que, depois de uma queda seguida de cirurgia, inicia, aos 97 anos, um severo processo de declínio físico e cognitivo. Agora, em “Heresia – tudo menos ser amortal”, a escritora, que acabou de assumir uma cadeira na Academia Paulista de Letras, retoma o tema a partir da morte da anciã. Avisa aos leitores que vai atribuir o que escreve a uma outra narradora, criando uma fricção entre o real e o imaginário, e assume, sem pudor: “o nome pode ser Lúcia. Com ela eu vou em frente sem medo de dizer o que sinto. Sei que desejar a morte da mãe é uma heresia. Há meses eu desejava a partida. Se me perguntassem por que, eu responderia que não suportava mais o que restou dela”.
A psicanalista e escritora Betty Milan, autora de “Heresia – tudo menos ser amortal”
Divulgação: Lailson Santos
São palavras duras e fortes, mas quem já conviveu com a decadência física e mental de um ente querido, que nem sequer nos reconhece, sabe que sentimentos contraditórios nos acompanham. É exatamente por esse caminho que Betty nos conduz. A mãe morreu de mãos dadas com ela, que descreve: “no fim, de tão mirrada, parecia uma anã”. E questiona o esforço de estender indefinidamente a vida: “prolongar a juventude é uma coisa, impedir um fim que não para de se anunciar é desumano”.
“Há muito eu digo que me separei da mãe. Me ‘separei’ desde que perdeu a noção do tempo e a duração da minha ausência deixou de ter significado”, pontua em outro trecho. A psicanalista avalia a perda de independência e o quadro demencial e se pergunta o que é, afinal, uma “morte natural”. Reproduz uma frase dita pela idosa – “como era bom o tempo em que eu vivia” – e instiga: “mamãe foi uma quase amortal. Mas eu passei a ter com ela uma relação só de respeito. O único amor possível era o incondicional, um amor que tiraniza. Mamãe nunca foi tirânica, porém sua sobrevivência era”.
Sua experiência lhe dá uma certeza: “com meu filho, não vou fazer o que ela fez comigo”. Ela própria uma septuagenária, deixa claro que este é um exercício para o futuro: “também escrevo para saber quando e como desejo ir embora”. Para marcar o lançamento, Betty, que é autora de romances, ensaios e peças de teatro, fará uma live nesta terça, dia 5, às 19h, no canal do YouTube da Livraria da Travessa, com participação do crítico literário Manuel da Costa Pinto, que assina a orelha do livro.
Capa do novo livro de Betty Milan
Reprodução