Investimentos em escolas de tempo integral, valorização dos professores e programas de recuperação de aprendizagem estão entre os fatores decisivos para o 'sucesso'. Secretários de Educação e especialistas analisam estratégias pedagógicas e administrativas que mais deram certo. Estudantes de escola pública no Pará.
Reprodução / Agência Pará
O que explica que determinados estados brasileiros tenham dado saltos enormes no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) entre 2019 e 2023? E como outros vêm conseguindo se se manter no topo dos rankings nacionais?
Para conhecer as receitas de sucesso, o g1 analisou dados e entrevistou secretários de educação e especialistas da área para descobrir quais estratégias pedagógicas e administrativas mais deram certo nos seguintes estados:
Pará: saiu da penúltima colocação (26ª) no ensino médio em 2021 e, dois anos depois, pulou para 6º lugar. Nesse período, o Ideb da rede estadual aumentou de 3 pontos para 4,3 pontos (a escala vai de 0 a 10).
Goiás: teve o melhor desempenho do país no ensino médio (Ideb de 4,8) na rede estadual.
Paraná e Espírito Santo: apresentaram o 1º e 2º maiores índices totais no ensino médio (4,9 e 4,8, respectivamente, considerando escolas públicas e privadas).
Ceará: registrou o Ideb mais alto (7,7) entre as redes estaduais nos anos iniciais do ensino fundamental (1º a 5º ano).
📝Antes de ver os diferenciais de cada rede (leia mais abaixo), confira um resumo do que mais impulsionou a aprendizagem nesses estados:
valorização da carreira de professor, com aumento de salários;
programas de recuperação de aprendizagem;
investimentos em infraestrutura e em materiais didáticos;
regimes de colaboração com os municípios;
programas de educação integral;
avaliações diagnósticas constantes.
Ideb mostra que valorização do professor e foco nos alunos geram melhores resultados
📈Contexto: Os dados do Ideb, divulgados nesta quarta-feira (14), levam em conta o aprendizado dos alunos em matemática e português (na prova chamada Saeb) e o fluxo de aprovação (quantos passam de ano e quantos ficam retidos) em escolas públicas e privadas.
Os resultados nacionais foram preocupantes: nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, as metas não foram atingidas. Em 20% dos municípios do país, os alunos do 5º ano da rede pública sequer conseguem somar moedas de R$ 0,25.
✏️Pará: valorização dos professores, avaliações e investimentos
Não existe uma bala de prata, e sim um conjunto de ações que influenciaram muito o resultado, afirma ao g1 Rossieli Soares, secretário de Educação do Pará e ex-ministro da Educação.
Veja os principais elementos apontados:
➡️Remuneração dos professores: Segundo o Movimento Profissão Docente, o estado paga um dos maiores salários do Brasil para professores da rede pública.
➡️Investimentos em infraestrutura: Segundo a Secretaria de Educação, 150 escolas foram reconstruídas. Também demos condições melhores de merenda e de transporte, porque, se os alunos não se alimentarem e não tiverem como chegar à escola, não vão aprender nada. Aumentamos o gasto diário com alimentação de R$ 0,36 por aluno para R$ 1,50, mais R$ 0,50 do governo federal, afirma Soares.
➡️Monitoramento de aprendizagem: Claudia Costin, fundadora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE), afirma que o estado destacou-se na estratégia de recomposição dos conteúdos que não haviam sido absorvidos pelos alunos. Não adianta esperar chegar o fim do ano para constatar que o aluno não aprendeu, diz. A rede conseguiu montar provas e monitorar os alunos com frequência. Foi fantástico.
Rossieli Soares explica que o estado aumentou o número de aulas de português e de matemática de 3 para 5 por semana. Dessa forma, parte da carga horária pôde ser dedicada à recuperação das matérias que não haviam sido compreendidas pelos estudantes.
Depois do diagnóstico do aprendizado das turmas, retomamos alguns conteúdos. Não adianta ensinar algo novo se ainda existe um déficit lá atrás, afirma. É um grande programa de reforço escolar.
➡️Revisão na gestão das escolas: A maior parte dos colégios passou a ter dois vice-diretores — um mais focado nas questões administrativas, e outro, nas pedagógicas.
➡️ Regime de colaboração: A rede estadual auxiliou os municípios principalmente nas turmas de 2º ano do ensino fundamental, para fortalecer o processo de alfabetização.
➡️Valorização dos alunos e dos professores que se destacam: No programa Bora Estudar, a família do melhor aluno de cada turma ganha R$ 10 mil em materiais de construção para fazer reformas na própria casa. E os docentes com melhor desempenho ganham bonificações, afirma Soares.
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✏️Goiás: formação de professores na prática e bolsa-permanência
Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG Todos Pela Educação, explica que Goiás entra em uma categoria diferente da do Pará: o destaque do estado é manter um bom desempenho no Ideb ao longo dos anos.
Assim como o Espírito Santo, o Ceará e o Paraná, é uma rede que nunca sofreu grandes retrocessos. Consegue manter políticas essenciais e implementá-las de forma consistente, diz.
Para a secretária de Educação de Goiás, Fátima Gavioli, a questão central para o desempenho do estado são os investimentos. Só assim que é possível melhorar a infraestrutura das escolas, os materiais didáticos e a distribuição de bolsas que ajudam no combate à evasão, afirma ao g1.
Veja outros destaques:
➡️Formação de professores: Por meio de parcerias com ONGs e instituições, o estado manteve uma política de investimento nos docentes com ênfase na prática.
Eles já sabem a teoria. Precisamos focar no dia a dia: em como preencher o diário corretamente, ministrar os conteúdos… Quando têm dúvidas, eles podem entrar em contato com o centro de formação de professores para compartilhar experiências. E são turmas pequenas: não adianta colocar mil docentes assistindo a uma palestra de duas pessoas, afirma Gavioli.
Costin acrescenta a importância do cuidado tomado pela rede de Goiás na contratação de novos professores. São seleções bem-feitas. E, (depois de começarem a dar aula), eles recebem um bom material de apoio ao livro didático.
➡️Políticas de incentivo à permanência escolar: Pelo Bolsa Estudo, todos os alunos, independentemente da renda, ganham R$ 112 por mês se frequentarem a escola e tirarem boas notas. O programa abrange o 9º ano e o ensino médio.
➡️Monitoramento de aprendizagem: Patricia Mota Guedes, superintendente do Itaú Social, conta que Goiás vem conseguindo manter um padrão consistente no acompanhamento pedagógico dos alunos.
Observação:
Em 2023, estudantes do ensino médio regular da rede estadual foram transferidos para a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), mesmo sem terem completado 18 anos ainda. Com isso, eles não participaram da prova do Saeb.
Segundo o Censo Escolar, do Inep, eram 60.832 alunos no 3º ano do ensino médio comum em 2022. Em 2023, depois desse processo, 49.380. Na EJA estadual, considerando a etapa de ensino inteira, o número de estudantes dobrou de 2022 para 2023 (de 21.856 para 42.641).
A Secretaria de Educação foi notificada pelo Ministério Público do Estado de Goiás em junho de 2023. Em março de 2024, o Tribunal de Contas do Estado de Goiás também constatou que turmas do ensino médio noturno haviam sido fechadas e que uma parcela considerável de alunos teria migrado para a EJA.
Diante da possibilidade de essa transferência ter comprometido os dados que levaram o estado à liderança do Ideb 2023, a Secretaria de Educação afirma que a mudança aconteceu a pedido dos próprios jovens, já que começaram a trabalhar na pandemia e precisariam de uma carga horária reduzida na escola para não abandonarem os estudos.
O órgão alega também que, mesmo antes desse episódio, Goiás já ocupava as primeiras posições nos rankings do Ideb (em 2019, o estado foi líder, e em 2021, ficou na 2ª colocação).
Considero fundamental que a gente pare de colocar aluno com menos de 18 anos na EJA, principalmente no período noturno. Pode ser que a nota tenha sido impactada por isso em Goiás, mesmo sem essa intenção? Um pouco, talvez, mas não é o que explica o sucesso da rede. Foram muitas iniciativas positivas no estado, afirma Costin.
✏️Espírito Santo: aulas em tempo integral e apoio aos municípios
Entre as capitais, Vitória foi o maior destaque nos anos iniciais do ensino fundamental. A maior explicação para isso, na visão de Claudia Costin, é a implementação do programa de ensino integral.
Havia antes um modelo de contraturno com aulas de arte e de esportes, além de oficinas de recuperação. Já era algo melhor do que só as 4 horas de aula por dia. Mas a rede avançou para o tempo integral, com aulas dialogadas, mais tempo em laboratórios e educação mão na massa. Deu muito certo, fiquei impressionada, afirma.
➡️Em números, a ampliação da rede integral: Segundo a Secretaria de Educação, no fim de 2019, o Espirito Santo tinha 36 escolas nesse regime de carga horária ampliada. Em 2024, já são 184 só na rede estadual, afirma o órgão.
➡️Apoio aos municípios por meio de um regime de colaboração: Foram direcionados mais de R$ 1 bilhão em investimentos nas redes municipais, principalmente para obras e compra de materiais didáticos.
Uma das frentes de trabalho neste sentido é por meio do Pacto pela Aprendizagem do ES (Paes), uma iniciativa do governo do Estado cujo objetivo é fortalecer a aprendizagem das crianças desde a educação Infantil até as séries finais do ensino fundamental, afirma a Secretaria.
✏️Paraná: material de apoio ao professor e avaliações diagnósticas
Roni Miranda, secretário de Educação do Paraná, afirma que os resultados do Ideb 2023 consolidam a boa qualidade na educação do Paraná.
A gente vem avançando ano a ano, de forma sólida e constante, diz.
De fato, o estado se manteve entre os primeiros colocados nos rankings das últimas edições do Ideb.
Um dos destaques de 2023 foi justamente em matemática, disciplina em que historicamente o Brasil não se sai bem.
O monitoramento da aprendizagem, a comunicação com a rede e os materiais de apoio ao professor muito bem-feitos explicam esse desempenho, afirma Claudia Costin.
Veja os detalhes:
➡️Aprimoramento na seleção de gestores: A rede pública passou a selecionar os diretores de escolas por meio de avaliações de capacidade técnica, provas e entrevistas.
➡️Formação continuada de professores: Temos 33 mil docentes fazendo semanalmente esses programas. Os que se destacam ajudam a formar seus pares, afirma Miranda.
➡️Avaliação diagnóstica: [As provas] são aplicadas trimestralmente, para entregar ao professor e à escola em quais conteúdos os alunos têm maior dificuldade. Assim, conseguem trabalhar de forma mais direcionada, explica Miranda.
➡️Combate ao abandono: Segundo a Secretaria de Educação, a rede investiu em alimentação escolar, oferecendo três refeições por dia aos alunos. Também aumentou a conectividade das escolas, para dialogar com os interesses dos estudantes.
➡️Compra de material didático: O secretário afirma que comprou livros direcionados para a recomposição da aprendizagem dos alunos. E, para os professores, foram adquiridos materiais de apoio ajustados em parceria com eles próprios, para que se organizem mais facilmente no planejamento dos conteúdos.
✏️Ceará: educação em tempo integral e foco na alfabetização
Costin, do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, afirma que o Ceará avançou rapidamente em direção ao modelo de ensino integral.
A própria Secretaria de Educação ressaltou os seguintes elementos decisivos:
➡️Busca pela equidade: Na prática, isso significa direcionar atenções de forma individualizada a cada aluno, para que todos tenham suas necessidades de aprendizagem específicas atendidas, afirma o órgão. O combate ao abandono escolar e o fortalecimento de vínculo com os alunos também contribuíram para o crescimento do Ideb.
➡️Programa Aprendizagem na Idade Certa (Paic): Desde 2007, o estado firma uma parceria com as redes municipais para dar suporte pedagógico, fornecer material estruturado, apoiar a gestão e aprimorar os sistemas de avaliação dos alunos.
➡️Educação profissional e integral: Segundo a Secretaria, são mais de 512 escolas com carga horária ampliada, sendo 367 delas focadas na profissionalização dos jovens do ensino médio.
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