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Como o TikTok está apresentando a demência

Há bilhões de visualizações que levantam uma questão ética sobre como os idosos são expostos nesses vídeos Há duas semanas, me deparei com uma reportagem perturbadora da revista “MIT Technology Review”, sobre como idosos com demência vêm sendo filmados, e expostos, no aplicativo TikTok, que compartilha vídeos curtos e tem grande audiência entre os mais jovens. Há material útil de cuidadores que tentam divulgar informações para quem está em posição semelhante. Um desses vídeos dá dicas sobre comunicação – por exemplo, como não se deve falar (ou gritar) de longe para oferecer um lanche. Em vez disso, o correto é se aproximar do portador de demência e dar duas opções para ele escolher, sempre num tom de voz acolhedor. No entanto, abundam cenas embaraçosas, como a de um idoso que se atrapalha para tirar o suéter e tem dificuldades para se levantar. Em outras, a pessoa dança sem consciência de estar sendo filmada, o que provoca pena e constrangimento. Em português, há inúmeras postagens, pr..

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Há bilhões de visualizações que levantam uma questão ética sobre como os idosos são expostos nesses vídeos Há duas semanas, me deparei com uma reportagem perturbadora da revista “MIT Technology Review”, sobre como idosos com demência vêm sendo filmados, e expostos, no aplicativo TikTok, que compartilha vídeos curtos e tem grande audiência entre os mais jovens. Há material útil de cuidadores que tentam divulgar informações para quem está em posição semelhante. Um desses vídeos dá dicas sobre comunicação – por exemplo, como não se deve falar (ou gritar) de longe para oferecer um lanche. Em vez disso, o correto é se aproximar do portador de demência e dar duas opções para ele escolher, sempre num tom de voz acolhedor. No entanto, abundam cenas embaraçosas, como a de um idoso que se atrapalha para tirar o suéter e tem dificuldades para se levantar. Em outras, a pessoa dança sem consciência de estar sendo filmada, o que provoca pena e constrangimento. Em português, há inúmeras postagens, pretensamente cômicas, nas quais o bordão “abstrai e finge demência!” funciona como uma espécie de saída para escapar de situações desagradáveis, ignorando a dor que é viver e conviver com a doença.
Lynn, paciente portadora de demência cujo cotidiano a filha documenta em redes sociais
Reprodução
No Brasil, cerca de um milhão apresentam alguma forma de demência, sendo que a mais comum é a Doença de Alzheimer. No mundo, a Organização Mundial da Saúde estima que sejam 50 milhões, com previsão de que o número triplique até 2050. O estigma acompanha não somente os pacientes e suas famílias, ele também contamina a forma como essas pessoas são retratadas em todas as mídias. Com 2 bilhões de visualizações da hashtag #Dementia, o TikTok não parece estar ajudando a diminuir o problema, ao reforçar os estereótipos e preconceitos que envolvem a enfermidade.
Há uma questão ética que envolve o compartilhamento dos vídeos de adultos que não estão cientes da forma como são retratados. Pense: você gostaria de estar em tal situação? Do ponto de vista legal, existe a figura do responsável pela pessoa com demência, mas será que esse papel lhe dá o direito de expor o indivíduo que já não tem condições de responder por seus atos? Os limites entre flagrantes tocantes, como o do pai que sussurra “eu te amo” para a filha que saracoteia ao lado dele, e de humilhação pública parecem cada vez mais frágeis.
Jacquelyn Revere está na casa dos 20 anos e deixou suas ambições profissionais para trás em Nova York para ficar com a mãe, Lynn, na Califórnia. Ao relembrar sua jornada como cuidadora, contou que os grupos de apoio dos quais tentou participar eram formados por gente muito mais velha, e por isso não conseguiu se adaptar a eles. Preferiu compartilhar suas experiências em redes sociais e, hoje, com quase 57 mil seguidores no Instagram e meio milhão no TikTok, serve de modelo para outros cuidadores na sua faixa etária, mas se arrepende de algumas postagens. Numa delas, a mãe, completamente desorientada, segura uma embalagem de enxaguante bucal, que estava bebendo como se fosse refrigerante. A imagem tem uma carga dramática que a jovem, em retrospectiva, diz que não liberaria nos dias de hoje. A polêmica só está começando.

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