O ex-presidente da Eletrobras Wilson Ferreira Jr., hoje comandante da antiga BR Distribuidora, rebatizada de Vibra após a privatização, em 2019, conhece o setor de energia como poucos no País. Nesta entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ele fala sobre o destravamento da desestatização da empresa, marcada para 13 de junho, e as perspectivas do negócio sob gestão privada.
Com a privatização, diz ele, a Eletrobras poderá mais do que triplicar os investimentos.
Ferreira Jr. comenta, também, a possibilidade de investir parte do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) na compra de ações da companhia e as iniciativas de Bolsonaro para baixar as tarifas de energia e dos combustíveis.
Em sua gestão, o sr. preparou a Eletrobras para a privatização. Mas deixou o comando sem a operação acontecer. Agora, finalmente, a privatização deve sair. Como o sr. vê esta perspectiva?
Acho muito positiva. Hoje, como estatal, a Eletrobras não consegue ser tão competitiva quanto uma empresa privada. A gestão é muito engessada. Se houver um monte de projetista que só faz desenho em prancheta e a companhia quiser acabar com o setor, porque não faz mais sentido, ela não pode. Só conseguirá fazer isso por meio de um programa de demissão voluntária. Quando tem de renegociar um contrato, o pessoal fica com medo, porque pode ser acusado de pagar um preço maior do que deveria. Numa reunião de diretoria, para analisar um projeto ou tomar uma decisão, você precisa de pareceres das áreas de compliance (conformidade), auditoria, finanças. É um inferno.
Além de facilitar a gestão, de que forma a privatização deve beneficiar a Eletrobras?
Com a privatização, a Eletrobras poderá triplicar sua capacidade de investimento e ter maior acesso ao mercado de capitais. Hoje, se quiser ter uma participação numa usina, ela não vai conseguir, porque o governo terá de botar dinheiro na companhia e não tem recursos. Isso trava o crescimento. Hoje, a Eletrobras tem capacidade de investir R$ 4 bilhões por ano, mas precisa de R$ 15 bilhões só para manter sua participação de mercado. Como a capacidade de investimento do governo é de cerca de R$ 30 bilhões por ano, ele teria de direcionar para a Eletrobras 1/3 de tudo o que tem. Teria de deixar de investir em saúde e em educação para atender às necessidades de investimento da Eletrobras.
O sr. acredita que, com a privatização, haverá uma valorização da companhia?
Não tenho dúvida. Hoje, o valor médio de mercado das empresas listadas na Bolsa de São Paulo, a B3, é equivalente a 150% do valor patrimonial. O investidor paga um prêmio quando acredita que a empresa é bem administrada e ele consegue ver uma boa perspectiva para ela no futuro. A Eletrobras é negociada a 80% do valor patrimonial, porque o investidor não vê um futuro promissor no horizonte. Com a privatização, isso deve mudar. O cara diz: "Agora tem uma gestão privada lá. A empresa terá uma gestão de custos melhor, vai fazer investimento, usar a sua capacidade de acessar o mercado de capitais, administrar a sua dívida de forma prudente e inteligente, e vai crescer". O que vai acontecer com o valor da ação? Eu acredito que vai chegar muito rapidamente na média do mercado, porque o investidor verá uma perspectiva de crescimento de uma empresa de energia renovável, como a Eletrobras, e vai se dispor a pagar um prêmio por isso.
O sr. acha uma boa opção investir uma fatia do FGTS em ações da Eletrobras?
Se tivesse FGTS, eu investiria. Como disse há pouco, o valor da Eletrobras está muito baixo. Por quê? Porque os investidores têm medo de comprar ações de uma estatal. Acham que o governo pode fazer alguma bobagem.
Em sua visão, haverá interesse dos investidores pela operação no atual cenário político e econômico?
Quem investe neste setor está preocupado com retorno de longo prazo. Quem é o investidor típico de uma empresa como a Eletrobras? São fundos de infraestrutura, fundos de energia, fundos de pensão, cujo objetivo é ter uma rentabilidade regular, para cobrir suas metas atuariais. Eles sabem que a Eletrobras não terá um lucro extraordinário. É uma concessão. É uma atividade regulada. Mas acreditam que a empresa deverá melhorar seu desempenho, porque não vai mais vender energia a preço vil, mas a preço de mercado.
Qual a sua avaliação sobre o modelo adotado para a privatização da Eletrobras?
O modelo é perfeito. A capitalização é a melhor forma de fazer a privatização, com a criação de uma corporation. Desde o governo Temer, a ideia sempre foi fazer a privatização via aumento de capital e pagamento de outorga. Desta forma, é possível diluir a participação do governo, que não participará da operação. A Eletrobras vai emitir novas ações, algo na casa de R$ 25 bilhões, e com o que ela captar vai pagar o valor da outorga ao governo. Com isso, a fatia da União na companhia, hoje na faixa de 70%, ficará em torno de 45%. O governo não será mais o controlador, mas continuará a ter as mesmas ações que tem hoje. Outro bloco, que será privado, terá os 55% restantes.
Por que a Eletrobras vai pagar esse valor de outorga?
A Eletrobras não está sendo vendida. A privatização será de forma indireta. O valor da outorga será pago à vista ao governo pela renovação da concessão de 22 hidrelétricas, por 30 anos, e pela adoção de um novo regime de operação. Os novos contratos serão feitos pelo regime de produção independente, pelo qual as usinas poderão vender energia a preços de mercado. O regime de produção independente substituirá o de custo ou cotas, adotado no governo Dilma, que obrigou as usinas a vender por R$ 35 o megawatt/hora. É para comprar o direito de vender energia a preço de mercado que a Eletrobras vai pagar R$ 25 bilhões à União. Outros R$ 30 bilhões serão transferidos ao longo de 25 anos à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e mais R$ 10 bilhões em dez anos irão para três fundos voltados para a redução de custos de energia na Amazônia e para revitalização dos lagos de Furnas, no Sudeste, e do Rio São Francisco, no Nordeste. No total, o valor adicionado dos novos contratos deverá alcançar cerca R$ 65 bilhões.
Com a cobrança de preços de mercado pela energia, a conta não pode sobrar para o consumidor?
Acredito que não. Existe um preço de mercado para o tipo de ativo que a empresa vende. É como a gasolina. Não dá para vender por R$ 15 o litro de gasolina comum que o mercado compra a R$ 8. O mercado brasileiro de energia é ativo. Você pode comprar no mercado regulado, em leilão, ou no mercado livre, por negociação bilateral. Além disso, o depósito na CDE é justamente para mitigar uma eventual variação de custo para o consumidor. Os cálculos feitos pelo governo davam conta de que esses movimentos de preços deverão acontecer de forma gradual em cinco anos. Agora, é preciso considerar que a Eletrobras terá contrapartidas. O risco hidrológico será dela. Se faltar água, problema da Eletrobras. Ela que encontre uma forma de garantir o fornecimento de energia. Hoje, quando isso acontece, o custo desta incapacidade fica para o consumidor, na forma de bandeiras tarifárias.
O presidente Bolsonaro está envolvido em ações para reduzir a conta de luz. Como o sr. vê as ações do governo nesta direção?
O Brasil fez algumas escolhas no passado e uma delas foi a de centrar o poder arrecadatório, especialmente o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), em cima de setores como energia, saneamento, comunicações e combustíveis. Normalmente, 2/3 da arrecadação dos Estados vêm daí. Em tese, seriam setores mais fáceis de fiscalizar, porque são setores regulados e os reajustes são feitos pela inflação. Metade do preço do combustível ou da energia é tributo. Então, o mesmo aumento de 50% que houve no caso da gasolina, por exemplo, gerou 50% de aumento de arrecadação tributária. No momento, há uma proposta em tramitação no Congresso, que já foi aprovada pela Câmara, no sentido de limitar a alíquota de ICMS, porque ficou muito alta e tem de ser contida.
Durante mais de 40 anos, o sr. atuou no setor de energia. Como está sendo essa nova experiência na área de distribuição de combustíveis, como presidente da Vibra?
Estou muito feliz. O que me fascina é que este é um setor muito competitivo. Tem de ter qualidade de produto e custo. No setor de energia, o mercado era regulado e os clientes compravam o que a gente vendia. Aqui, não. Tem de ir atrás. Para mim, o legal é isso. Tenho 62 anos e estou com a felicidade de uma criança de 9 anos, como a minha filha. É vibrante.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.