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Escravo ou escravizado? O debate que reflete mudança de como Brasil enxerga a escravidão

Escolha da terminologia faz parte de uma luta identitária e, conforme a opção do locutor, pode denotar uma visão crítica ao próprio regime escravocrata. Cenas do Brasil escravocrata, em imagens do acervo do Arquivo Nacional.
Arquivo Nacional
Em linhas gerais, um dicionário contemporâneo define a palavra “escravo” como o que se diz “de pessoa que é considerada propriedade e se acha sob o domínio de um senhor”.
“Escravizado”, por ser a forma do particípio passado do verbo “escravizar”, é quem “sofreu escravização”.
Aos olhos de alguém alheio ao movimento negro ou aos estudos acadêmicos atuais, pode ser uma diferença sutil.
Contudo, a escolha da terminologia faz parte de uma luta identitária e, conforme a opção do locutor, pode denotar uma visão crítica ao próprio regime escravocrata.
A preocupação não é nova. Documentos de natureza abolicionista do século 19 já optavam pelo termo “escravizados” quando em defesa desses grupos, conforme revelou em sua conta na rede social X o historiador ..

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Escolha da terminologia faz parte de uma luta identitária e, conforme a opção do locutor, pode denotar uma visão crítica ao próprio regime escravocrata. Cenas do Brasil escravocrata, em imagens do acervo do Arquivo Nacional.
Arquivo Nacional
Em linhas gerais, um dicionário contemporâneo define a palavra “escravo” como o que se diz “de pessoa que é considerada propriedade e se acha sob o domínio de um senhor”.
“Escravizado”, por ser a forma do particípio passado do verbo “escravizar”, é quem “sofreu escravização”.
Aos olhos de alguém alheio ao movimento negro ou aos estudos acadêmicos atuais, pode ser uma diferença sutil.
Contudo, a escolha da terminologia faz parte de uma luta identitária e, conforme a opção do locutor, pode denotar uma visão crítica ao próprio regime escravocrata.
A preocupação não é nova. Documentos de natureza abolicionista do século 19 já optavam pelo termo “escravizados” quando em defesa desses grupos, conforme revelou em sua conta na rede social X o historiador Renato Pinto Venancio, autor de, entre outros livros, Cativo do Reino: a circulação de escravos entre Portugal e o Brasil e professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“A luta política, portanto, ficou registrada na escolha da terminologia”, comenta ele, à BBC News Brasil.
“Há documentos do final do século 19 que empregam o termo ‘escravizado’ em vez de ‘escravo’.”
No caso apresentado por ele na rede social, se trata de uma ação de liberdade de 1887, no ano anterior, portanto, à promulgação da Lei Áurea.
“Essas ações são iniciadas quando se questiona a legitimidade da escravização”, explica o professor.
“O escravizado é representado por uma pessoa livre. Se a demanda judicial fosse aceita, o juiz nomeava um curador para o escravizado, retirando o mesmo do domínio do suposto senhor até a finalização do processo.”
Havia instrumentos jurídicos para basear tais discussões.
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“O curador enviava o requerimento, no qual expunha as razões da liberdade do escravizado. É preciso sublinhar que o cativeiro injusto conta com legislação desde o século 16, em razão da proibição da escravidão de indígenas, exceto em algumas circunstâncias", diz Venancio.
Nos séculos seguintes, essa legislação foi reafirmada, inclusive com a proibição explícita da escravização de indígenas no século 18, aponta o historiador.
"Além disso, a legislação portuguesa, baseada em tradições do direito romano, reafirmou, também no século 18, a liberdade das crianças abandonadas, determinando que não se podia considerar escravas as crianças de filiação desconhecida”, elenca Venancio.
“Soma-se a isso a legislação que proibiu o tráfico no início do século 19, determinação reforçada e ampliada em 1831, apesar do tráfico ter permanecido até 1850. Também é importante lembrar os casos em que o senhor havia prometido a alforria, mas os herdeiros não cumpriam a palavra”, acrescenta.
“Todas essas situações criaram a possibilidade de lutas nos tribunais para reverter a escravidão. O que faltava era homens livres com instrução dispostos a se envolver nessas lutas.”
Com a estruturação do movimento abolicionista, sobretudo a partir de 1870, alguns intelectuais vão por essa via jurídica — e, por isso, os tribunais brasileiros começam a lidar com uma enxurrada de ações de liberdade do tipo.
“Não envolveu apenas brancos de elite”, comenta Venancio, citando o caso emblemático do advogado Luiz Gama (1830-1882).
“Ele era autodidata e foi escravizado, conseguindo provar na justiça a ilegalidade de sua situação”, cita.
“Como advogado prático, ou seja, sem formação na faculdade de direito, conseguiu interceder e libertar centenas de escravizados”, ressalta Venancio.
“Então, o que digo é que tal como no presente, as lutas políticas do passado mobilizaram conceitos e definições.”
É o caso do documento mencionado pelo professor no X. Nele, o curador instituído faz referência ao cativeiro “injusto de dois escravizados”. “Ou seja: emprega esse termo”, pontua Venancio.
“Ele alegou que, na matrícula, que havia se tornado obrigatória na década de 1870, o suposto senhor declarou serem os escravizados de 'filiação desconhecida’. Aproveitando uma brecha na legislação portuguesa, defendeu a prerrogativa da ‘ingenuidade’, ou seja, os dois escravizados deveriam ser considerados livres por terem filiação desconhecida.”
Documento jurídico de 1887 traz o termo escravizado em vez de escravo para se referir aos cativos em luta pela liberdade.
Acervo Minas Justiça/Reprodução
O caso em questão não foi bem-sucedido — o juiz considerou a causa improcedente.
Venancio atenta para o fato de que, ao longo do texto, a ação adota a terminologia “escravos” — assim, “escravizados” é a escolha apenas dos que advogam pela liberdade dos dois indivíduos.
De acordo com as pesquisas do historiador, este não é um caso isolado.
Em sua obra O Abolicionismo, o historiador e político Joaquim Nabuco (1849-1910) também prefere “escravizado”. “Ele menciona esse termo pelo menos cinco vezes”, enumera Venancio.
“Quando a própria lei, como se verá exposto com toda a minudência, não basta para garantir, à metade, pelo menos, dos indivíduos escravizados, a liberdade que decretou para eles […]” é um dos trechos.
Outro é “[…] homem, assim escravizado, não tem deveres para com Deus, para com pais, mulher ou filhos”.
Para o filósofo e psicólogo Marcos da Silva e Silva, professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e da Universidade Federal do ABC, a diferenciação entre os dois termos começa a aparecer “a partir do momento em que o processo de escravidão passou a ser tematizado como um problema para a humanidade”.
Isso coincide com o surgimento dos direitos sociais e, consequentemente, de preocupações com direitos humanos e busca por igualdade, a partir do final do século 18, ao longo do século 19 e, principalmente, no 20.
“Escravo passa a ser entendido como aquele que perdeu a liberdade. Escravizado, quem perdeu a sua humanidade”, comenta ele à BBC News Brasil. “Perder”, no caso, porque tiveram isso destituído à força.
“O mais importante a dizer da diferença entre os dois conceitos é que o escravizado, no processo de escravização, também teve a sua humanidade desconstituída”, explica Silva e Silva.
À BBC News Brasil, a historiadora Lucimar Felisberto dos Santos, membro da Rede de Historiadorxs Negrxs e autora de Entre a Escravidão e a Liberdade: africanos e crioulos nos tempos da Abolição, entre outros, pontua que a “substituição do termo ‘escravo’ por ‘escravizado’ tem a ver com […] o protagonismo das experiências” desses indivíduos, para a historiografia.
“A pessoa não nasceu escrava, ela foi escravizada ao longo do processo de escravidão moderna”, ressalta Santos.
Em sua obra 'O Abolicionismo’, o historiador e político Joaquim Nabuco (1849-1910) prefere o termo “escravizado”.
Arquivo Nacional
O que o debate em torno do assunto revela
A escolha de um termo em detrimento de outro indica a própria maneira como o indivíduo vítima da escravidão é entendido.
“O termo ‘escravo’ remete a uma condição natural, enquanto ‘escravizado’ se refere ao caráter sócio-histórico da condição dos africanos e seus descendentes sob o cativeiro”, argumenta à BBC News Brasil o historiador Petrônio Domingues, professor na Universidade Federal de Sergipe (UFS).
“Em outras palavras, ‘escravo’ remete a uma identidade fixa, inata, congênita, ao passo que ‘escravizado’ se refere a uma condição imposta por outras pessoas.”
“Assim, ‘escravizado’ evoca à humanidade das pessoas, indicando que elas não são coisas”, acrescenta ele.
Venancio acrescenta que há lutas políticas em torno dessa palavra. "Mas não acho que cabe à pesquisa definir essa questão. As mudanças lexicais não são feitas por decreto. Trata-se de um convencimento coletivo, de criação de consensos”, diz o historiador.
“Mas acho que essa luta a cada dia consegue mais apoio. Inclusive entre os arquivistas.”
Ele atenta para o fato de que no próprio documento trazido por ele nas redes sociais haja, na área de notas da descrição, a seguinte frase: “É sugerido o uso da palavra ‘escravizado’, por conseguir melhor indicar a escravidão como uma condição imposta”.
“Duvido que, há 20 ou 10 anos, encontraríamos tal passagem em instrumentos de pesquisa de arquivo”, comenta.
Venancio lembra que o debate é uma maneira de avançar no próprio entendimento da história.
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“É bom que haja esse debate com argumentos e contra-argumentos, pois discutir o passado é uma forma de se posicionar em relação ao presente e lutar por um futuro que respeito o ser humano”, conclui.
Silva e Silva entende ainda que usar o termo “escravizado” indica que esses indivíduos tiveram “sua liberdade cerceada e sua história apagada”.
“É como se escravo fosse uma coisa fixa. E o escravizado aquele que pudesse contar sua própria história a partir da escravidão”, contextualiza.
“O nome escravizado retira do sujeito histórico essa pecha de escravo. A condição foi resultado de uma relação que foi imposta em um dado momento da vida, aqui no Brasil se vinculou à condição do ventre da mãe, e aí a pessoa se tornava escrava”, explica a historiadora Santos.
“Ser escravizado é uma consequência da situação pela qual a pessoa passou que a colocou nessa condição. Não é uma condição inerente à vida do próprio sujeito.”
'Usar o termo escravizado é repensar a própria história, salienta o filósofo Silva e Silva.
Arquivo Nacional
Atualidade
Domingues entende que essa questão terminológica se tornou realmente importante nas últimas décadas.
Esta é uma preocupação relativamente nova, ressalta o historiador, que surgiu no Brasil no início do terceiro milênio e está associada a dois fatores.
"O primeiro é uma mudança na historiografia da escravidão, que desde a década de 1990 passou a priorizar os postulados da agência escrava", afirma Domingues.
"Ou seja, passou a privilegiar abordagens centradas no protagonismo dos escravizados, assim como essa preocupação associa-se às lutas e demandas do movimento negro, que tem sido responsável pelas formulações e avanços das políticas das ações afirmativas e cumprido um papel educador na sociedade brasileiro, o que inclui a propositura de mudança lexical para se referir às experiências negras na história.”
Atualmente, usar o termo "escravo" é algo considerado por muitos politicamente incorreto, ressalta Domingues.
"A mudança lexical implicou em mudança semântica, para não dizer política”, diz o professor da UFS.
O filósofo Silva e Silva salienta que “usar o termo escravizado é repensar a própria história”
Venancio observa que situação semelhante ocorreu com a palavra “índio” para designar os povos indígenas ou os povos originários.
“Ela também tem sido condenada”, compara.
O léxico foi contudo forjado por décadas e décadas de livros escolares que traziam o estereótipo do homem branco europeu como protagonista.
“O material didático antigo não havia sido ainda impactado pelas lutas políticas de reparação de direitos, então a tendência foi reproduzir o léxico usual”, comenta o historiador.
“De toda forma, é preciso não mistificar essa questão. Há vasta bibliografia clássica sobre a escravidão que emprega a palavra ‘escravo’. Não cabe anacronicamente condená-la.”
Fatos chocantes sobre a escravidão

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Sisu 2025: inscrições começam 17 de janeiro; veja cronograma

Assim como em 2024, as inscrições do Sisu só serão abertas em janeiro. Programa usa as notas do Enem para aprovar candidatos em universidades públicas. As notas do Enem são utilizadas no processo seletivo do Sisu.
Mateus Santos/g1
As inscrições do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 2025 estarão abertas entre 17 de janeiro e 21 de janeiro, conforme edital publicado pelo Ministério da Educação (MEC) nesta quinta-feira (26). O resultado da chamada regular será divulgado no dia 26 de janeiro.
Assim como em 2024, o programa terá apenas uma edição — só em janeiro, sem o processo seletivo que usualmente acontecia nos meses de junho ou julho.
Por meio dessa etapa única, os candidatos poderão usar as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024 para concorrer, em universidades públicas, a cursos cujas aulas começarão tanto no primeiro quanto no segundo semestre (entenda mais abaixo).
Tire suas dúvidas abaixo e veja o cronograma completo:
➡️Quem está apto a participar? Alunos que tenham ..

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Assim como em 2024, as inscrições do Sisu só serão abertas em janeiro. Programa usa as notas do Enem para aprovar candidatos em universidades públicas. As notas do Enem são utilizadas no processo seletivo do Sisu.
Mateus Santos/g1
As inscrições do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 2025 estarão abertas entre 17 de janeiro e 21 de janeiro, conforme edital publicado pelo Ministério da Educação (MEC) nesta quinta-feira (26). O resultado da chamada regular será divulgado no dia 26 de janeiro.
Assim como em 2024, o programa terá apenas uma edição — só em janeiro, sem o processo seletivo que usualmente acontecia nos meses de junho ou julho.
Por meio dessa etapa única, os candidatos poderão usar as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024 para concorrer, em universidades públicas, a cursos cujas aulas começarão tanto no primeiro quanto no segundo semestre (entenda mais abaixo).
Tire suas dúvidas abaixo e veja o cronograma completo:
➡️Quem está apto a participar? Alunos que tenham feito o Enem 2024 e tirado nota acima de zero na redação. Treineiros não serão aceitos.
➡️Poderei escolher em qual semestre vou entrar na faculdade? Não. Caberá à universidade, por meio da ordem da lista de classificação de candidatos, selecionar quem estudará em cada semestre. A classificação é determinada pelo desempenho de cada participante no Enem 2024.
➡️O programa possui cotas? Sim, e funciona da seguinte maneira:
Todos os candidatos concorrerão, primeiramente, às vagas de ampla concorrência.
Caso não alcancem as notas nesta modalidade e façam parte de algum dos grupos de cotas (os critérios são de raça e de renda), aí, sim, entrarão na disputa pelo benefício.
Com isso, se uma pessoa autodeclarada preta, por exemplo, tirar uma nota mais alta que a exigida na ampla concorrência, será aprovada na "lista geral" e não tirará a vaga de um cotista com desempenho mais baixo.
➡️Qual o cronograma?
Inscrições: 17 a 21 de janeiro
Resultados da 1° chamada: 26 de janeiro
Matrículas: 27 a 31 de janeiro
Manifestação de interesse na lista de espera: 26 a 31 de janeiro
5 cuidados para tomar ao se inscrever no Sisu

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Bombou no g1: questão do Enem 2024 sobre média de notas tirou paz dos estudantes durante a prova; relembre

Aparente falta de dados em um enunciado de matemática assustou participantes da prova. Bastava, no entanto, que os números fossem substituídos por incógnitas (como 'a', 'b' e 'c'). Questão de matemática do Enem 2024 viraliza nas redes sociais
Reprodução/Redes sociais
Histórias curiosas, personagens divertidos e casos virais. Neste mês de dezembro, o g1 reconta reportagens que foram sucesso entre os nossos leitores ao longo de 2024. Hoje é dia de relembrar sobre a questão do Enem 2024 sobre média de notas tirou paz dos estudantes durante a prova.
Essa reportagem foi originalmente publicada em novembro.
Relembre
“Isso é conteúdo de faculdade!”, “Como você quer que eu saiba?” e “Cadê o resto [da questão]?”. Essas foram algumas das manifestações de revolta de candidatos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024, no último domingo (10), diante de uma pergunta de matemática (⚪147 da prova cinza, 🟢155 da verde, 🔵137 da azul e 🟡164 da amarela).
Ela pedia qu..

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Aparente falta de dados em um enunciado de matemática assustou participantes da prova. Bastava, no entanto, que os números fossem substituídos por incógnitas (como 'a', 'b' e 'c'). Questão de matemática do Enem 2024 viraliza nas redes sociais
Reprodução/Redes sociais
Histórias curiosas, personagens divertidos e casos virais. Neste mês de dezembro, o g1 reconta reportagens que foram sucesso entre os nossos leitores ao longo de 2024. Hoje é dia de relembrar sobre a questão do Enem 2024 sobre média de notas tirou paz dos estudantes durante a prova.
Essa reportagem foi originalmente publicada em novembro.
Relembre
"Isso é conteúdo de faculdade!", "Como você quer que eu saiba?" e "Cadê o resto [da questão]?". Essas foram algumas das manifestações de revolta de candidatos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024, no último domingo (10), diante de uma pergunta de matemática (⚪147 da prova cinza, 🟢155 da verde, 🔵137 da azul e 🟡164 da amarela).
Ela pedia que os estudantes calculassem a média no boletim de uma pessoa, sem que nenhuma nota fosse divulgada no enunciado. A única informação disponível era a seguinte: quando o "personagem" fez a conta, dividiu o total por 5, e não por 4. E, com isso, chegou a um resultado que era uma unidade menor do que o correto.
Segundo professores de quatro cursinhos ouvidos pelo g1 (Anglo, pH, Poliedro e Professor Ferretto), essa questão não estava entre as 10 mais difíceis da prova. O que provavelmente desestabilizou os candidatos foi a aparente (e ilusória) falta de dados.
Abaixo, veja a resolução feita por Rodrigo Serra, professor de matemática do Colégio Oficina do Estudante:
Questão sobre média de notas viraliza nas redes: 'cadê o resto da pergunta?'
🖊️ Resposta: B.

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A radical teoria pós-quântica, que tenta responder o que Einstein não conseguiu

A Física moderna é baseada em dois pilares: a física quântica e a teoria da relatividade geral. O problema é que ambos são incompatíveis. 'A última palavra ainda não foi dita', disse Einstein sobre uma das maiores questões da Física moderna
Getty Images/via BBC
“Uma nova moda surgiu na Física”, queixou-se Albert Einstein no início da década de 1930.
Essa “moda” era nada menos que a física ou a mecânica quântica. A sua mera existência colocou em perigo a teoria da relatividade geral, a maior criação de Einstein, publicada em 1915.
“Se isso tudo for verdade, então significa o fim da Física”, chegou a dizer o famoso cientista.
O ponto aqui é que a física quântica e a relatividade geral são incompatíveis.
Quase 100 anos se passaram e nenhuma das duas teorias cancelou a outra. Na verdade, ambas formam os pilares de todos os avanços da Física moderna.
💡A física quântica provou repetidamente ser a melhor explicação do comportamento das menores partículas do universo, como elétrons,..

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A Física moderna é baseada em dois pilares: a física quântica e a teoria da relatividade geral. O problema é que ambos são incompatíveis. 'A última palavra ainda não foi dita', disse Einstein sobre uma das maiores questões da Física moderna
Getty Images/via BBC
"Uma nova moda surgiu na Física", queixou-se Albert Einstein no início da década de 1930.
Essa "moda" era nada menos que a física ou a mecânica quântica. A sua mera existência colocou em perigo a teoria da relatividade geral, a maior criação de Einstein, publicada em 1915.
"Se isso tudo for verdade, então significa o fim da Física", chegou a dizer o famoso cientista.
O ponto aqui é que a física quântica e a relatividade geral são incompatíveis.
Quase 100 anos se passaram e nenhuma das duas teorias cancelou a outra. Na verdade, ambas formam os pilares de todos os avanços da Física moderna.
💡A física quântica provou repetidamente ser a melhor explicação do comportamento das menores partículas do universo, como elétrons, glúons e quarks que constituem os átomos.
💡Por sua vez, a relatividade geral, que é a moderna teoria da gravidade, provou ser a melhor descrição de tudo o que acontece em grande escala, desde o funcionamento do Sistema Solar e dos buracos negros até a origem do universo.
No entanto, elas permanecem contraditórias entre si. Ou seja, as regras da relatividade geral funcionam perfeitamente para as galáxias, bem como para tudo o que nos rodeia e é visível: uma árvore, um gato, uma pérola…
Porém, assim que analisamos o comportamento de algo tão pequeno como um átomo, tudo muda.
Os pesquisadores não conseguem nem usar a mesma Matemática para explicar uma teoria e outra.
De alguma forma, a natureza consegue fazer com que os dois sistemas coexistam — mas a Ciência ainda não fez o mesmo.
Para muitos, esta incompatibilidade é a maior questão sem resposta da Física.
Einstein e milhares de outros pesquisadores em todo o mundo procuraram criar uma teoria que unisse a física quântica e a relatividade geral.
É o que muitos chamam de "teoria de tudo", um nome tão atraente que virou título do premiado filme biográfico de Stephen Hawking, um dos renomados cientistas que tentaram — também sem sucesso — encontrar o "Santo Graal" da Física.
Agora, uma nova teoria propõe uma virada radical nesta charada secular.
Seu nome, porém, é menos mercadológico: ela é chamada de teoria pós-quântica da gravidade clássica e é liderada pelo físico Jonathan Oppenheim, do Instituto de Ciência e Tecnologia Quântica da Universidade College London (UCL), no Reino Unido.
Trata-se de algo tão revolucionário que mesmo alguns dos seus detratores reconhecem que essa é a primeira abordagem verdadeiramente original a surgir em pelo menos uma década.
Há mais de 100 anos vivemos num universo cujas bases foram estudadas e definidas por Einstein
Getty Images/via BBC
A quarta força fundamental
Embora possa parecer contraditório, um dos aspectos mais inovadores da teoria de Oppenheim é o termo "clássico" em seu nome.
Até agora, a abordagem predominante para resolver a incompatibilidade entre a física quântica e a relatividade geral envolve modificar o último sistema para ajustá-lo ao primeiro.
É o que os físicos chamam de "quantização", porque no final ela se converte numa teoria quântica.
"Quantizar" a relatividade geral faz ainda mais sentido se pensarmos que é algo que os cientistas já conseguiram fazer com as outras três forças fundamentais que governam o universo: a força nuclear fraca, a força nuclear forte e a força eletromagnética.
Mas eles simplesmente não conseguiram fazer o mesmo com a gravidade — e não foi por falta de tentativa.
"É um problema matemático muito difícil", contextualiza Oppenheim à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
"Mas também é conceitualmente complicado, porque essas duas teorias têm diferenças tão fundamentais que é muito difícil conciliá-las."
Ele explica: "Quase todas as tentativas assumiram que devemos 'quantizar' a gravidade. A minha sensação sobre a razão pela qual essa tarefa tem sido tão difícil é que talvez não seja possível e que apontamos para a coisa errada."
Por isso, o pesquisador e a equipe dele decidiram mudar o foco e "modificar um pouco, ou muito, a teoria quântica, para que esses dois sistemas possam se encaixar".
Na nova teoria, publicada em dezembro de 2023 nas revistas Nature Communications e Physical Review X, a relatividade geral continua a ser uma teoria não quântica, ou clássica.
A física Sabine Hossenfelder, do Centro de Filosofia Matemática de Munique, na Alemanha, que não fez parte da pesquisa da UCL, diz à BBC News Mundo que a ideia de Oppenheim "é muito legal".
"É muito raro neste campo ver nascer uma nova ideia", observa a especialista.
Hossenfelder fez parte de um comitê que revisou a teoria há seis anos e, embora a achasse interessante, considerou que ela era "muito especulativa, imatura e vaga".
"Tinha tantas pontas soltas que parecia que poderia falhar completamente, por isso fiquei muito impressionada quando vi o que saiu vários anos depois, porque abordava quase todos esses pontos levantados", diz ela, que esclarece com um sorriso "sempre ter algo a comentar e a observar".
Dois conceitos básicos e um 'inaceitável'
O tecido (quadriculado branco na ilustração), que representa o espaço-tempo, deformado por uma bola (em amarelo), que faz alusão a uma estrela como o Sol
BBC
Uma bola de menor massa (em verde) acompanha a curvatura do tecido quadriculado causada pela maior (em amarelo), como acontece com a Terra em relação ao Sol
BBC
Antes de seguir a explicação sobre a teoria de Oppenheim, é importante compreender o conceito básico da relatividade geral e uma das características da física quântica que mais perturbou Einstein.
O que Einstein fez para revolucionar a Ciência em 1915 foi definir a gravidade como "uma deformação do espaço-tempo".
A maneira mais fácil de compreender esse conceito é pensar em um trampolim onde colocamos uma bola pesada — por exemplo, uma bola de bilhar.
Quando uma coisa dessas acontece, o tecido afunda no local onde a bola está.
Agora, imagine jogar nesse mesmo trampolim uma bola mais leve (uma bola de gude), e tentar fazê-la girar na borda da curvatura do tecido relacionada ao peso da bola mais pesada.
O que acontece é que a bola de gude vai se mover em círculos cada vez menores, aproximando-se da bola de bilhar.
Segundo a teoria da relatividade geral, isso não acontece porque a bola de bilhar exerce sobre a bola de gude uma força de atração invisível, mas porque o formato do tecido — ou melhor, a sua deformação — a obriga a fazer essa curvatura.
Na teoria de Einstein, o espaço-tempo faz a mesma coisa de forma quadridimensional — de modo que a Terra gire em torno do Sol, por exemplo.
Oppenheim explica que, na teoria pós-quântica da gravidade clássica "o espaço-tempo se mantém como aquele tecido em que vivem as partículas quânticas, tal como Einstein concebeu".
O que muda é que o espaço-tempo incorpora o acaso da física quântica, característica que deu origem a uma das frases mais famosas de Einstein: "Deus não joga dados."
Einstein acreditava que faltava informação na "moda" da física quântica, mas o que décadas de estudos têm mostrado é que a aleatoriedade não se deve a um erro na teoria ou a uma falha nas medições, mas a uma característica inerente ao comportamento das partículas fundamentais.
Oppenheim e sua equipe unem a física quântica e a relatividade geral, tornando o espaço-tempo também inerentemente aleatório.
"Ainda temos essa aleatoriedade na teoria quântica, mas ela é mediada pelo próprio espaço-tempo", explica o físico.
Em outras palavras, o próprio tecido começa a apresentar oscilações aleatórias.
Isto é algo "inaceitável" para muitos dos seus colegas — e é provável que Einstein também pensasse o mesmo.
"A estrutura aleatória do espaço-tempo é o que, em certo sentido, lança os dados na teoria quântica", compara Oppenheim, parafraseando Einstein.
'Ganha-ganha'
"Cada vez que você propõe uma nova teoria, é preciso fazer uma série de verificações para ver se ela é consistente com as observações", explica Oppenheim.
"E é emocionante que esta teoria faz previsões que podem ser testadas experimentalmente."
"Ao levar em conta que esta teoria exige que o espaço-tempo tenha flutuações, podemos busca-las", acrescenta ele.
Para isso, os pesquisadores propõem medir o peso de uma massa com extrema precisão e verificar se ela é constante ou se apresenta certas oscilações.
Por exemplo, o Escritório Internacional de Pesos e Medidas, localizado na França, pesa rotineiramente um objeto que foi usado para criar o padrão mundial do que é hoje considerado exatamente um quilo.
Ao utilizar novas tecnologias de medição quântica, de acordo com a teoria pós-quântica da gravidade clássica, o peso do referido objeto deixaria de ser um quilo e se tornaria imprevisível.
"Se encontrarmos as flutuações, provaremos que a teoria é verdadeira e, se não as encontrarmos, conseguiremos refutá-la", diz Oppenheim.
"Isso é particularmente emocionante", confessa ele.
Mas há ainda mais coisas a descobrir.
Oppenheim entende que a nova teoria poderia responder a outra das grandes incógnitas da Física moderna: o que são a matéria escura e a energia escura.
Para entender a importância disso, é primeiro antes saber o que esses conceitos são (e não são).
Todos os planetas, estrelas e objetos cósmicos visíveis são feitos da chamada matéria normal. Juntos, eles representam cerca de 5% do universo.
Os 95% restantes ainda são um mistério — e por isso são chamados de matéria escura e energia escura.
Se nos estudos para verificar a nova teoria, as flutuações forem suficientemente intensas, elas "seriam candidatas muito fortes para o que pensamos ser matéria escura e energia escura", segundo Oppenheim.
"Isso explicaria 95% da evolução do Universo, o que representaria um grande impacto", complementa o pesquisador.
Por sua vez, Hossenfelder destaca que a equipe da UCL desenvolveu uma Matemática completamente nova para esta teoria e afirma que a mera existência desses trabalhos pode ser útil para outros fins.
Em suma, a história da Ciência está repleta de pesquisas que tiveram aplicações inesperadas.
O próprio Einstein, aliás, acendeu a centelha que levou à física quântica — a qual ele renunciou até o fim da vida.
"Se houvesse algo que pudesse confirmar que estas previsões são verdadeiras, isso seria muito interessante e certamente atrairia diversas pessoas para observá-las mais de perto", considera Hossenfelder.
Mas a teoria só foi publicada há um ano — e derrubar décadas de consenso científico baseados nos estudos encabeçados por Einstein não será fácil.
Hossenfelder é cética sobre a nova teoria — algo que, na opinião dela, a coloca numa posição de "ganha-ganha".
A cientista ganha se estiver certa no ceticismo dela. Mas também ganha se estiver errada, porque isso significaria que ela — e todos nós — testemunhamos em vida o nascimento de uma nova revolução da Física.
*Com reportagem de Max Seitz.
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